24 de maio de 2013

A EPISTEMOLOGIA DO BURACO


Alfredo MR Lopes




Os gregos são imbatíveis para reconhecer a importância do conhecimento e as premissas sagradas de sua apropriação. Por isso a epistemologia firmou-se como ciência para assegurar o acesso rigoroso ao conhecimento. Não basta, pois, conhecer. Há que se demonstrar como se dá o processo do conhecimento, o saber em todas as suas dimensões. Nesta semana, a discussão sobre os buracos das ruas no Distrito Industrial de Manaus, a busca dos responsáveis, a identificação de suas causas, a descrição de seus estragos e alternativas de enfrentamento, mostraram o papel e a importância da epistemologia. E mais: essa entidade física e metafísica denominada buraco, além de movimentar o concurso de todas as áreas do conhecimento, implica em mobilizar corações e mentes, energias e recursos para decifrar seus enigmas e amenizar os estragos de sua origem, semiologia e multiplicação. Vejamos.

Tudo começou com uma nota publicada neste jornal, sob o título “PIM também fabrica buracos”. A provocação foi suficiente para reacender a discussão sobre a questão urbana, os buracos ônticos e ontológicos que tomam conta da paisagem, da cultura, da educação, e da economia, os buracos crônicos de empreender no meio da floresta onde se ergue a duras penas e há 46 anos, o Polo Industrial de Manaus. O mote da conversa são os buracos assustadores, as crateras lunares que tomam conta das vias que cortam o Distrito e os bairros que se construíram na área incentivada. As empresas fazem eco à grita popular dos que se atrevem a usar a buracaria viária. E aproveitam para listar e sugerir saídas para tais embaraços de infraestrutura, formalismo burocrático e desarticulação instituciona l que descrevem o ato de empreender na floresta. Apressam-se, ainda, em dizer que o Polo Industrial de Manaus, definitivamente, não fabrica buracos. Não faz parte do escopo.

As empresas aqui instaladas produzem riqueza, renda, impostos, oportunidades e ajudam a promover a qualidade de vida e o exercício da cidadania da população do Amazonas. Recolhem recursos para financiar integralmente a Universidade do Estado do Amazonas, a única do Brasil presente em todos os municípios de um Estado, ao todo 62, espalhados por esse fim de mundo sem fim do beiradão amazônico. Patrocinam o turismo, as cadeias produtivas de agroindústria no interior e ajudam na moradia, na segurança e na educação dos jovens, distribuindo anualmente aos municípios os fundos que ajudam a movimentar a economia. E por que não exigem que parte desses recursos sejam usados para equacionar a fenomenologia sinistra dos buracos? Boa questão.
 
Os buracos que colocam vidas em risco, causam prejuízos à população, desconforto e insegurança, também atingem sem piedade a carga das carretas e caminhões com a produção do polo industrial. Como assegurar o rigor do controle de qualidade com tanto solavanco? E como imaginar – aproveitando a especulação metafísica desse buraco moral - a formulação de novos caminhos para a Zona Franca, diversificar sua atividade e interiorizar seus benefícios, num planejamento estratégico de médio e longo prazo, se não somos capazes de resolver um problema tão elementar e prosaico dos buracos da Avenida Buriti e adjacências? Os buracos e os novos caminhos da Zona Franca, tudo indica, são os lados de uma mesma e insistente questão. Uma questão cívica, urbana, crônica, histórica, com múltiplas razões e explicações, que incluem omissão dos gestores, a transferência de responsabilidade e o cumprimento negligente e pouco transparente de atribuições. Um problema associado a outros tanto que remetem ao uso displicente e inconsequente dos impostos arrecadados para o melhor funcionamento das atividades geradoras desses mesmos impostos. Aqui o buraco não tem fim, nem conserto.

A responsabilidade pela manutenção e revitalização das vias urbanas do Distrito Industrial é integralmente da Prefeitura Municipal de Manaus, ora sob nova direção, que faz lembrar alguém que está vendendo a própria mala por motivo de viagem. Basta ver o espólio recebido, o buraco urbano, desastroso e ingovernável, fundo, mau cheiroso e mal amado daquela que um dia se chamou de Paris dos Trópicos. Mas o dever de conhecer em profundidade o alcance desse buraco urbano é de todo o tecido social. Outros buracos não cessam de aparecer e se multiplicar. Nesta semana, um economista do BNDES engrossou o bolsão de resistência contra a Zona Franca de Manaus, cobrando o bura co da inovação tecnológica que o modelo não produziu, deixando um vazio que o Brasil, como um todo, não encarou nem tapou. Propositalmente, o articulista esquece que as empresas de informática aqui instaladas seguem o manual do PPB, o processo produtivo básico autorizado pelo governo federal, que é exatamente o mesmo seguido pelas empresas do Sul e Sudeste, que agregam insumos importados na mesma proporção que as empresas da ZFM. Uma cobrança hipócrita e, tudo indica, mal intencionada, vinda justamente de um economista do BNDES, um banco que utiliza 80% de seus recursos nas áreas mais desenvolvidas do país. Curiosamente, alguns desses buracos poderiam ser preenchidos com as verbas contingenciadas da Suframa, pagas pelas empresas para criar atividades geradoras de oportunidades, do tipo inovação, e ora canalizadas para essa instituição financeira e suas atribuições desconce rtantes. Decididamente, é preciso ir fundo na epistemologia dos buracos.
(*) Alfredo é filósofo e ensaísta.
 
Alfredo MR Lopes
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