17 de abril de 2020

VIAGEM À VELHA SERPA


CAPITULO I - A IDA
Certa oportunidade, eu, José Jorge Junior, Amanda Saraiva e Adamilton Mourão, fomos pela estrada AM-010 até Itacoatiara executar um serviço.

Antes de contar essa odisseia, quero explicar o motivo da escolha dessa foto que coloquei para ilustrar o texto. Ela tem uma importância afetiva para mim, como amante da natureza. Durante uma época, foram inúmeras vezes que fui para Itacoatiara passar fins de semana. Avistar essa bela seringueira na margem da pista, era o sinal de que estávamos chegando na Velha Serpa. Há muitos anos não vou a Itacoatiara e a informação que tenho é que a bela seringueira já não estaria mais lá. 
Dito isso, para contar o que de extraordinário aconteceu nessa viagem à Velha Serpa, vou simplificar os nomes dos personagens: José Jorge Junior é o Jorjão, a Amanda Saraiva é a Amandinha, o Adamilton Mourão é o Dadá, e o motorista da viatura, que não recordo o nome, é o Motora.

Nessa viagem, lembro que era importante levarmos uma máquina fotográfica digital. Precisávamos fazer uns registros fotográficos para constar no relatório. Nessa época, esse tipo de equipamento de fotos digitais ainda não era tão comum. Apenas a unidade onde Dadá trabalhava tinha uma máquina digital disponível e essa ficava sob seus cuidados.

Fui então falar com Dadá sobre a possibilidade de nos emprestar a máquina. Para surpresa, em lugar de nos emprestar a máquina, Dadá se incluiu na viagem. Argumentou que ia aproveitar a oportunidade da nossa ida para fazer o acompanhamento e fiscalização de um projeto em Itacoatiara sob sua responsabilidade. Como havia espaço na viatura, concluímos a conversa acertando a data e a hora para sairmos de Manaus. 

A caminho da Velha Serpa, ainda no trecho entre Manaus e Rio Preto da Eva, passamos por um momento de aperto. Caiu um pé-d’água na estrada com raios e trovões assustadores. O motora, mesmo já familiarizado com a estrada, dirigia a viatura quase que parando. A visibilidade era precária e reinava o silencio entre os viajantes. Até Dadá, sempre muito gaiato e conhecido pela sua tagarelice incontrolável, mantinha-se quietinho no seu lugar.

Em dado momento desse pé-d’água, tocou o meu celular. Eu atendo e a pessoa do outra lado pergunta: - É o Dr. Emmanuel? Sim, sou eu, respondo.

Logo em seguida a linha cai e não houve diálogo. Minutos depois o celular toca outra vez.

- Dr. Emmanuel, a linha caiu. Vou passar agora.

Na conversa, fui respondendo as perguntas e explicando o objetivo da nossa missão em Itacoatiara. O motivo da ligação inesperada era esse. Lembro que em determinado momento da conversa citei o nome de Dadá para explicar que a sua missão naquela viagem tinha um objetivo diferente da nossa. Estávamos apenas otimizando o uso da viatura e de equipamento, como era recomendado.

Ao ouvir o seu nome citado na conversa, e sem entender do que se tratava, Dadá, que até então ia quietinho no seu lugar, começou a dar sinais de surto psicótico dentro da viatura. Enquanto eu falava ao celular, ele fazia gestos estranhos com a boca e os beiços em minha direção. Curioso que é até o tucupi, o surto foi aumentando e aí Dadá passou a se coçar todo, arregalava os olhos, engelhava a cara, espremia os cravos do nariz e depois cheirava.  

O Jorjão e a Amandinha, viajando lado a lado com Dadá no banco de trás da viatura, já estavam acostumados com os tiques nervosos de Dadá, principalmente o de espremer cravo do nariz e cheirar. Uma coisa meio que nojenta e obscena ao mesmo tempo. Já o motora, coitado, esse não disfarçava o seu pane. Um olho na estrada, outro no retrovisor interno vendo o Dadá surtar no banco de trás.   Na cabeça dele, ele havia sido convocado para dirigir uma viatura rumo a Itacoatiara e não uma ambulância no rumo do hospício.  

A minha conversa ao telefone, para desespero de Dadá, durou uns cinco minutos. Ao final, eu tinha recebido a ordem de passar uma informação para Dadá, e foi o que eu fiz:

- Seguinte Dadá, apesar da solicitação do teu chefe ter seguido os trâmites, mandaram eu lhe avisar que a sua diária não foi e não vai ser debitada para essa viagem.

Vencida a curiosidade, Dadá já reage à notícia falando em auto defesa e usando de chantagem emocional: - Oh, como assim! Não tô entendendo! Como não! O que foi que eu fiz? Como é que fica? Eu vou, eu volto? E a máquina, como é que faz?

Em resumo, como chefe daquela missão, eu tinha que dar uma solução e só haviam duas alternativas naquele momento. Uma era voltar para deixar o Dadá. A outra, era nos solidarizarmos com o colega, levá-lo junto para executar a sua missão em Itacoatiara e bancar as suas despesas, já que havia ficado sem a diária. Mas, como se tratava de Dadá, tinha que ter uma contrapartida. Decidimos que ele, ao chegarmos no Hotel, faria a negociação com o gerente para conseguirmos um quarto suíte, com ar condicionado, frigobar, desconto, e 4 camas para que todos ficássemos juntos.

O motora, vendo-se incluído no quarto suite, reagiu na hora:

 – Eu não doutor! Precisa não doutor! Eu tô levando a minha diariazinha que dá para os meus gastos. Só faltou dizer – faz isso comigo não doutor! Era nítida a cara de preocupação do motora diante da possibilidade de ser colocado para dormir dentro do mesmo quarto com o Dadá, depois de tudo o que ela já havia presenciado dentro da viatura.

Aí, para deixar o motora ainda mais aperreado, Dadá resolve apelar:

- Acalma esse coração motora. Você vai sim ficar junto conosco na suíte e ainda vai dividir o beliche comigo. Um por todos, todos por um. Foi o suficiente para o motora não dar mais uma palavra a viagem toda.

Aliviado com a solução dada para a sua continuidade na viagem, Dadá recuperou o humor e foi o resto do itinerário curtindo a cara de todos e repetindo que ia dividir o beliche com o motora. A cada vez que voltava ao assunto, ele perguntava do motora:

- Quer ficar na cama de cima ou na cama de baixo?

- Tem preferência por cima ou por baixo? 

Haja paciência!

CAPITULO II - A NEGOCIAÇÃO
Chegando no hotel em Itacoatiara, descemos com as  nossas mochilas e Dadá já saiu na frente para negociar o quarto suíte para 4 pessoas, conforme havíamos combinado.

No balcão de recepção do hotel estava uma pessoa ainda bem jovem e comunicativa.

Dadá deu boa tarde ao jovem, olhou sério para ele e perguntou:

- Você é o gerente?

- Não, não sou não senhor.

Como não! É seu coração que está dizendo isso?  O meu coração está dizendo que você é o gerente deste estabelecimento – insistiu Dadá com o recepcionista.

Sou não senhor – repetiu o jovem, mas insiste Dadá.

- Liberte esse coração meu gerente e nos arrume uma suíte com ar condicionado para 4 pessoas.

Quando Dadá falou em suíte, o rapaz já completou:

- Senhor, a suíte que nós temos disponível só tem uma cama de casal, um beliche e a diária é de 120 reais no dinheiro.

- Ótimo! Sem problema meu gerente. Você agora só precisa providenciar mais uma cama de solteiro e a gente fecha tudo em 80 reais a pernoite. E, sem deixar o recepcionista acrescentar mais nada, pediu a chave e fez ele nos levar até o apartamento suíte. 
O quarto era bem arrumadinho para o padrão do hotel, faltando apenas a cama de solteiro, que chegou rápido e foi colocada para o motora ao lado da porta de entrada. A cama de casal, ficou acordado que ficaria para o chefe, no caso, eu, e no beliche ficariam o Dadá na cama de cima  e o Jorjão na cama de baixo.

Assim , o acordo de conseguir uma suíte para 4 pessoas estava cumprido pelo Dadá. A dúvida era se na saída íamos pagar 120 ou 80 reais. Mas, como era de se esperar, Dadá com a sua lábia afiada de sempre, conseguiu na saída fechar a diária em 80 reais e ainda levar na mochila o que coube do café da manhã – até ovo cozido.

CAPÍTULO III - O JANTAR
A noite foi chegando e a fome foi apertando. Reunimos na recepção do hotel e decidimos ir juntos jantar no mesmo lugar. De outra forma, alguém ia ter que bancar sozinho a fome canina de Dadá.  Fomos parar num restaurante tradicional da cidade que fica de frente para rio.

Pedimos o cardápio para olhar os pratos e os preços. A preocupação não era o fato do Dadá não entrar na divisão das despesas, mas o fato dele ter a cara de pau suficiente para ser o primeiro a atacar os pratos na hora de servir.

Demos preferência por peixe e escolhemos comer um Surubim. Pedimos dois pratos para servir 5 pessoas. A garçonete nos garantiu que vinham 2 pedaços de peixe bem servidos. Numa divisão simples, seria um pedaço para cada um dos que tinham diária para dividir a despesa. Dadá estava fora dessa divisão e teria que negociar um pedaço a mais de peixe por cortesia da casa.

A tentativa de Dadá começou com a garçonete, mas não logrou êxito. Foram várias as investidas frustradas. Não conseguiu convencer a garçonete de que no coração dele, ela era a proprietária do estabelecimento e mandava na cozinha.

Só restava ao Dadá ir negociar com a proprietária do estabelecimento. De longe ela já estava de olho nas investidas do Dadá para cima da garçonete. Ela só não imaginava que seria a próxima vítima do predador.

Sem saída, lá foi Dadá encarar a proprietária. A conversa durou por volta de meia hora. Falava, gesticulava de todo jeito, arregalava os olhos, mordia os beiços e apontava para a nossa mesa. A proprietária, de cara amarrada, não mexia nem a sobrancelha. Com certeza já estava acostumada com aquele tipo de cantada furada por comida.

Vendo que não tinha como se livrar de Dadá, a proprietária concorda em mandar incluir mais um só pedaço de peixe num dos pratos e ele volta para a mesa cantando vitória.

Os pratos chegam bem servidos. O peixe estava saboroso e o jantar foi dos melhores.

Terminado o jantar, continuamos conversando à mesa para fazer a digestão e depois voltarmos ao hotel para dormir.

De repente, somos surpreendidos com uma cena de filme de pastelão – impagável!

Dadá dá um salto mortal, pula para cima da cadeira e começa a gritar:

- Olha a Barata! Olha a Barata! Barata! Tenho nojo! Barata! Barata!

Ficamos estatelados. Um marmanjo em cima da cadeira, sapateando com medo de uma baratinha cascuda indefesa. Pior! Só desceu da cadeira quando Amandinha convenceu a ele que a barata tinha se suicidado, correndo dele e se atirando no rumo do barranco da beira do rio.

O motoro, que já havia presenciado um surto do Dadá na estrada, comentou baixinho comigo: - Égua, doutor! Esse destrambelhado é histérico também: barata! barata! barata! hum!

Depois daquela cena e do comentário sarcástico do motora,  resolvi pedir a conta, antes que a masculinidade de Dadá fosse jogada barranco abaixo junto com a barata. Até a garçonete, preocupada com o Dadá insistia:

- O senhor quer que eu pegue um copinho d’água com açúcar? 

Levantamos da mesa e, enquanto caminhávamos para a saída, dava para perceber os clientes nas mesas nos seguindo com o rabo do olho, como que dizendo: 

– Lá vai ele! Lá vai ele! Humhum

CAPITULO IV - A ARMADILHA
No caminho de volta do restaurante para o hotel, só Dadá falava na viatura, tentando explicar o surto da barata. Como não conseguia convencer ninguém, Jorjão deu a explicação mais convincente.

- Fica frio Dadá! Isso com certeza é trauma de uma alguma reencarnação passada.

Só o motora completou a explicação – E né! Hum!

Chegando no hotel eu lembrei que tinha um documento longo para ler e criticar. Resolvi dedicar pelo menos uma hora para essa leitura. Peguei o documento e fui para a área de recepção fazer a leitura. Já cansado da viagem, não consegui ir muito longe no exame do documento e resolvi ir dormir.

Quando eu entro no quarto, estava um breu. Não dava para ver absolutamente nada. Todos aparentemente dormindo. Decidi não ligar a luz para não incomodar. O dia tinha sido cansativo para todos.

Fui tateando em direção da cama de casal que tínhamos pactuado que seria a minha. Chego perto e vejo, surpreso, o Jorjão atravessado na cama, de bruços, e um dos braços como que escondendo a cara.  

Na cama de solteira estava o motora e na cama inferior do beliche estava o Dadá, deitado do mesmo jeitinho que o Jorjão, de bruços, e com um dos braços como que escondendo a cara.

Só me restava a cama superior do beliche para dormir, o que não havia sido o acertado.

Fui em direção ao beliche. Chegando perto observei que não havia mais  a escada para me ajudar a subir para a cama superior. Estava faltando a escadinha que eu lembrei bem ter visto quando entramos pela primeira vez no quarto.

Daí então, comecei a desconfiar que eles tinham preparado uma armadilha para mim. A cama superior do beliche era um pouco alta e, como não tenho muita altura, o esforço para subir ia exigir um pouco de malabarismo. Confesso que foram várias as tentativas até eu conseguir subir para a cama.

Enquanto eu fazia esforços para subir na cama, Dadá e Jorjão tentavam, sem sucesso, se passarem por mortos. Tossiam descaradamente que nem tuberculoso tentando disfarçar a vontade de rir com a minha dificuldade de subir no beliche. O motora, acordado desde a hora que entrei no quarto, e com certeza sem ter participação naquela sacanagem, vendo as minhas dificuldades, resolveu quebrar o silencio e oferecer a cama dele para eu dormir. Agradeci a gentileza e continuei insistindo em subir no beliche.

Na verdade não imaginava que o pior ainda estava por vir. Depois que consegui subir no beliche, dei conta que a cama estava bem de frente para a boca do aparelho de ar condicionado. Agora, já lá em cima, eu só tinha duas opções: escolher a minha careca ou a sola dos pés para ficar de frente para a boca do aparelho. Se não bastasse isso, simplesmente não havia um cobertor para eu me cobrir.  Apenas uma toalha de banho, que felizmente não foi usada e eu pude usar como cobertor dos pés frente a boca do ar condicionado.

Em resumo, a armadilha que preparam para mim deu certo. Armaram e conseguiram me pegar direitinho naquela noite. Como sou um bom jogador, ponto para eles. Só me restava tentar dormir e pensar como seria a vingança que, para a minha alegria, não durou 24 horas para acontecer.

CAPÍTULO V - O CLONE DO REI
Para as visitas que tínhamos a fazer na Velha Serpa, uma pessoa foi nos acompanhando.

Como não havia espaço para todos dentro da viatura, Dadá se dispôs a ir junto com essa pessoa na carroceria.

Lá pelas tantas, olhamos para trás e lá está o Dadá, com a máquina digital na cara e a outra pessoa sentada na beira da carroceria, passando a mão nos cabelos e fazendo poses como se estivesse bancando o modelo fotográfico. Instantes depois, olhamos e os dois estavam cantando alguma coisa e Dadá continuava fotografando. Ficamos desconfiados daquelas cenas, mas, como Dadá faz amizade fácil, achamos que ele havia conquistado a simpatia daquela pessoa que nos acompanhava nas visitas. Bom para nós!

Na parada para o almoço, Jorjão resolveu perguntar do Dadá reservadamente:

- Tu estavas batendo foto do que Dadá?

- Do Roberto Carlos - respondeu.

- Deixa de putaria Dadá!

- Que putaria que nada. Tu não tá vendo não. O cara é a cara do Rei Roberto Carlos.

Simplesmente aconteceu que Dadá, tentando agradar o nosso interlocutor, foi dizer que ele era muito parecido com o Rei Roberto Carlos. Em resposta, ele feliz agradeceu dizendo que muita gente na cidade lhe dizia exatamente a mesma coisa.

Sem perder o embalo, Dadá insistiu e ainda arrancou dele a confissão de que além de ser parecido, era fã de carteirinha do Rei. Tinha todos os seus discos em casa e cantava as suas músicas. Aí foi quando Dadá pediu para ele cantar as músicas, aproveitando para fotografar e fazer o papel de backing vocal do Rei Roberto da Velha Serpa.

Não sabemos se houve desdobramentos dessa história. Se houve um reencontro do Dadá com o Rei Roberto da Velho Serpa para novos ensaios, ou se pelo menos Dadá teve a consideração de mandar as fotos do ensaio fotográfico com o Rei, feitas na carroceria da viatura.

CAPITULO VI - A VOLTA
Saímos do hotel na parte da tarde, rumo a Manaus.  Já na saída da cidade de Itacoatiara, Dadá começou a aprontar das suas. Perguntava se todos tinham dormido bem, pois ele tinha dormido que nem um anjo. Amandinha, que não estava sabendo de nada, foi a única a responder dizendo que também tinha dormido bem. Os outros todos, inclusive o motora, deram só aquele sorriso maroto e desconfiado.

Dadá na verdade queria puxar assunto para explorar o que fizeram comigo na madrugada. Queria saber se alguém tinha ficado correndo e querendo pular para cima do beliche sem usar a escada. A brincadeira foi crescendo e virou gozação e muita gargalhada. Até o motora, que havia sido solidário comigo oferecendo a cama dele para eu dormir, batia no volante de tanto rir. Eu senti que tinha entrado na berlinda e isso ia durar a viagem todo. Mas, como já disse, sou um bom jogador e só me restava rir junto e esperar a minha oportunidade de vingança.

Passamos a segunda ponte e Dadá não parava de falar a mesma coisa e a turma não parava de dar gargalhadas. O tempo foi fechando na estrada e, de repente, começou a chuviscar. Lembrei que nossas bolsas estavam todas na carroceria. O chuvisco engrossou e aí eu pedi para o motora parar no acostamento para que pudéssemos colocar as nossas bolsas dentro da viatura. Foi aí então que veio a surpresa e o desfecho para a minha vingança. A minha bolsa não estava na carroceria.

Quando nos reunimos na recepção do hotel para sairmos, eu estava com a minha bolsa. Dadá se aproveitando de um momento de desatenção minha, escondeu a bolsa. Na hora de ir para a viatura, não vendo a bolsa em cima da cadeira onde havia deixado, achei que alguém já havia pego e levado para a viatura. Não me passou pela cabeça me certificar disso.

Depois de vasculharem o carro todo e não acharem a minha bolsa, começaram as sugestões desconfiadas: - Chegando em Rio Preto da Eva a gente liga para o Hotel e pede para alguém colocar no ônibus e depois a gente pega lá em Manaus. Eram tantas as sugestões que nem me deixavam falar.

Enquanto eles davam suas sugestões para a situação que haviam criado, fui lembrando de algumas coisas do momento da nossa saída de Itacoatiara, ainda na recepção do hotel. Jorjão ligou para a namorada e Dadá marcou para sair com a esposa assim que chegassem. Dadá exigiu inclusive que a esposa estivesse pronta quando ele chegasse. Lembrando desses detalhes, decidi que era a hora da minha vingança. Olhei para o motora e determinei:

- Vamos voltar para resgatar a minha bolsa.

A revolta foi generalizada: – É um absurdo voltar daqui! Já estamos próximos de Manaus! Estamos cansados demais!

Até o motora, que vinha dando gargalhadas batendo no volante, resolveu tentar me desmotivar:

- Doutor, a gasolina não vai dar.

Retruquei - vai dar sim senhor. Pare na primeira bomba do caminho, mande encher até o talo que eu pago. 

Convencidos de que eu não mudaria de ideia, o motora ligou o carro, deu meia volta e retornamos até Itacoatiara para pegar a minha bolsa. Nenhuma palavra mais. Nenhuma gracinha mais. Ninguém falava nadica de nada. O motora, de pescoço duro, olhava só no rumo da estrada. Atrás, Dadá e Jorjão se mexendo para tudo quanto era lado querendo arrumar um jeito para tentar um cochilo. O Dadá não tinha mais cravo para espremer nem cheirar. O Jorjão não arrumava jeito de esticar metro e meio de pernas.

Chegando em Itacoatiara, peguei a bolsa, dei só mais 5 minutos para esticarem as pernas e voltamos. Foi a viagem mais silenciosa de toda a  minha vida. Eu até que insisti com o grupo por alguns instantes:

- Vamos lá gente! Qual é a próxima piada. Dadá, não se amofina não, continua aí a história da escada do beliche. Motora, larga uma piada aí. JorJão, tá muito apertado aí atrás?

Enfim, a minha vingança acabou vindo mais rápida do que eu e eles pudessem imaginar. Foi o êxtase!