21 de abril de 2020

O Analista dos Barés



Manaus, primeiros anos do novo milênio. Boas lembranças! 

Nesse tempo, um grupo de amigos do trabalho tinha por hábito, após o encerramento do expediente, se reunir para jogar conversa fora. Era um verdadeiro happy hour. Ficávamos conversando e vendo a hora passar, esperando o fluxo de transito melhorar na saída do Distrito Industrial e assim voltarmos para casa com maior tranquilidade. 

Era um grupo bem animado, com alguns gozadores natos, chatos e até irritantes. Os temas de discussão preferidos dentro do grupo eram a política e o futebol. Vou contar umas das histórias inesquecíveis dessa confraria, preservando os nomes dos atores.  

Um desses amigos queridos do grupo, infelizmente já falecido, gostava de fazer suas análises da conjuntura política e, principalmente, fazer os prognósticos. Adorava ser provocado sobre esse tema e defendia como ninguém as suas percepções do jogo político. Era o nosso inconfundível Analista dos Barés.  

Daí então, sempre que havia uma disputa política acontecendo, em qualquer nível, não podíamos deixar de reunir a confraria e pedir a análise e o prognóstico do nosso analista. O fato curioso é que tudo aquilo que ele analisava e prognosticava, normalmente não acontecia.  

Vejamos um exemplo: imaginemos que os nossos saudosos e queridos Boca de Bilha, Lauro Goiaba e Macaxeira entrassem numa disputa política. Se o nosso Analista dos Barés, depois da sua análise, desse como prognóstico a vitória de Macaxeira, podíamos ter a certeza que o resultado ia dar Boca de Bilha ou Lauro Goiaba, nunca, jamais, em tempo algum, Macaxeira seria o vitorioso.

Na nossa Instituição de trabalho, também havia as disputas políticas pelos cargos. De praxe, os cargos mais relevantes eram leiloados e preenchidos por indicação de parlamentares, no tradicional troca-troca entre o executivo e o legislativo. Uma dessas disputas pelo cargo na Instituição, ficou na história da Confraria. Lembro que Lula havia assumido o seu primeiro mandato presidencial nos primeiros anos do novo milênio. Logo após a sua posse começaram as especulações sobre quem ia ser o novo superintendente da Instituição.

Sabemos que nesses momentos de disputas políticas, sejam quais forem, brotam boatos de todos os lados. Um desses boatos estava provocando um tremendo buchicho dentro da Instituição. Começou a circular que uma servidora da casa estava bem cotada e seria a nomeada para o cargo maior. Como dizia um dos amigos da confraria – o babado era forte! 

Se verdade esse boato, teríamos a quebra da hegemonia dos homens no cargo de Superintendente, coisa que não se imaginava acontecer naquele momento, considerando o poder de fogo e o apadrinhamento daqueles que estavam no páreo. Só tinha afilhado de cobra grande na disputa. Como imaginar uma servidora da casa conseguir vencer essa batalha. Mas, tínhamos um amigo sempre muito otimista no grupo que levantou uma hipótese – e se o padrinho dela for uma Anaconda! 


Diante das tantas especulações e novidades na disputa, não podíamos deixar de convocar uma reunião extraordinária da confraria para ouvirmos a análise e o prognóstico do nosso Analista dos Barés. Feita a convocação, todos reunidos, sai o primeiro comentário provocativo no grupo:  

- Vocês já estão sabendo né! O buchicho dos corredores é que “Lurdinha” é a mais cotada para ser a nossa Superintendente.

Ao ouvir esse comentário, nosso Analista dos Barés franziu a testa e, como sempre fazia, primeiro puxa o lenço do bolso, passa lentamente de um canto ao outro da boca, mete de volta o lenço no bolso, arruma o colarinho, e aí começa a falar:

- Vocês não vão me dizer agora que estão acreditando mesmo nessa sandice. Quem é esse visionário desatento que apareceu com essa história. Não tem o menor cabimento. Essa senhora resolveu sonhar alto demais. Com todo respeito, não tem cacife para ser a superintendente. Não adianta! Não vai emplacar! Se conseguir alguma coisa, se conseguir, é uma Adjunta e olhe lá. 

Para tocar logo fogo na discussão, alguém completa:

- Como não! A nomeação já é dada como certa. Só está faltando o chamegão do Lula.

- Peralá gente! Porra! Deixa de sacanagem. Vocês não vão querer agora me convencer dessa coisa inimaginável. 

A turma, vendo que a discussão ia prosperar, continuou insistindo que a nomeação de “Lurdinha” era dada como certa. Já estressado, o nosso Analista dos Barés perde a elegância natural e dispara:

- Seguinte, porra, dou meu cú na guarita se essa senhora for nomeada.

O espanto foi geral. Ninguém imaginava que o macho alfa do grupo, de repente, numa aposta, se dispusesse a dar o fiofó na guarita, caso Lurdinha vencesse a disputa pelo cargo de superintendente. Ficamos deveras preocupados. O prognóstico do nosso Analista dos Barés era que Lurdinha não seria nomeada. Assim, como tudo que ele prognosticava não acontecia, a chance de Lurdinha emplacar no cargo era real. O que tornava real também a chance do nosso Analista dos Barés ter que cumprir a infeliz promessa de dar o fiofó na guarita. Só restava então esperar os acontecimentos. 

Passaram-se poucos dias e “Lurdinha”, para surpresa dos incrédulos, foi nomeada. Imediatamente começou o cuchicho no grupo. E agora, como fica. Nosso Analista dos Barés vai ou não vai cumprir o que havia prometido com tanta convicção, caso Lurdinha lograsse êxito na sua indicação.

Nesse mesmo dia da nomeação, um dos amigos da confraria saiu da sua sala para fazer um xixi e encontra nosso Analista dos Barés no banheiro tirando a água do joelho. Lembrando da promessa que ele havia feito, posta-se ao seu lado, dá bom dia e, enquanto aliviava a bixiga, pergunta:

- E aí meu caro, já comprou a vaselina?

Cara amarrada, nosso analista retruca falando grosso – não entendi a sua pergunta.

Esqueci, depois a gente fala – respondeu o alemão da turma e foi saindo de mansinho. 

Depois desse episódio, o grupo continuou se reunindo ainda por um bom tempo, falando de politica e, obviamente, ouvindo atentamente as análises e prognósticos do nosso Analista dos Barés.

A única coisa que na realidade mudou dali para frente, e que nunca mais veio a acontecer, foi do nosso Analista dos Barés, em defesa dos seus prognósticos, colocar em risco outra vez o seu fiofó na guarita. 


O nosso Analista dos Barés era um ser humano especial. Cara de machão durão, mais de uma afabilidade que cativava os amigos. Vociferava muito, mas também sorria, brincava, dava gargalhadas e chorava. Com suas virtudes e defeitos, tinha o carinho de todos aqueles que o cercavam, Assim, não poderia concluir essa história sem dizer do meu imenso carinho por essa pessoa, que me tinha como filho, que ia todos os dias na minha sala para perguntar se eu estava bem, e que eu amava e respeitava como se meu pai fosse. Pena que não esteja mais aqui entre nós para relembrar e rirmos juntos de momentos da nossa confraria, que nem esse que acabo de relatar.