Logo que
surgiram os celulares na vida da gente, eram poucas aquelas pessoas que exibiam
um na cintura. No setor onde eu trabalhava apenas um colega, o mineirinho da turma,
andava com um aparelho desses pendurado na cintura, normalmente desligado.
O aparelho mais
parecia um pequeno tijolinho munido de uma pequena antena. Mineirinho dizia aos
colegas que celular era uma coisa muito pessoal. Não passava o número para
ninguém e mantinha o aparelho sempre desligado. Somente um dos nossos colegas, carinhosamente
chamado de mano-velho, sabia o número do celular do mineirinho.
Nessa época, era
novidade também o uso de agenda eletrônica. Mano-velho andava pesquisando para
comprar uma agenda para ele. Eu e o cunhado de mineirinho, sugerimos ao
mano-velho que investisse numa agenda de boa qualidade. Aceitou a ideia e fomos
juntos ajudá-lo a comprar a agenda numa loja do shopping que estava vendendo no crediário.
Na hora de
colocar a agenda para funcionar, mano-velho ficou desorientado de como fazer a inclusão
das informações. O manual que acompanhava a agenda não trazia as instruções em português.
Daí, eu e o cunhado de mineirinho nos propomos a ajudá-lo a operar e inserir os
dados dos seus contatos na agenda.
Feita a
leitura do manual, o cunhado de mineirinho propõe fazermos um teste começando
por registrar os telefones das pessoas cujas nomes começassem pela letra “A”,
que era exatamente o letra inicial do nome do colega mineirinho, dono do único
celular dentro do setor.
Captei a intenção
do colega e disse para o mano-velho:
- Então vamos
começar pelos dados do mineirinho.
Mano-velho, ingenuamente,
concordou e começamos a fazer a inserção das informações. Nome completo do
mineirinho, endereço, telefone residencial, e-mail. Quando chegou a hora de
registrar o número de telefone, o cunhado do mineirinho joga a isca:
- Mano-velho,
aproveita e já coloca aí também o número do celular do mineirinho.
Sem entender
o golpe, mano-velho morde a isca, pega a sua agenda manual, busca o número do
celular do mineirinho e dita número por número. Daí para frente mano-velho tomou
conta de alimentar de informações a sua agenda.
No dia
seguinte, o cunhado de mineirinho vai até a minha mesa e propõe fazermos uma
pegadinha. O risco de sermos descobertos era muito pequeno. Na cabeça de
mineirinho, além do mano-velho, ninguém do setor tinha o seu número de celular.
Ficamos um
bom tempo matutando o que fazer e como fazer.
A primeira
tentativa de contato foi apenas para confirmar o número. Para isso era preciso
ter uma desculpa para justificar a ligação.
Alô! Com quem
eu falo – pergunto.
Do outro lado
da linha Mineirinho retruca - com quem o Sr. deseja falar?
- É o Seo
Carlos da Papaguara?
- Como! Entendi
não sô!
É o Seo Carlos
da Papaguara – insisto.
Não tem
nenhum Seo Carlos aqui não.
- Como não! O
número não é XXXXXXXX.
- Sim, o número
é esse mesmo, mas não é do Seo Carlos.
Como a
intenção inicial era apenas confirmar o número, encerrei a ligação.
Na primeira
ligação tive a impressão de que ele estava dirigindo. Demos um tempo para fazer
a próxima ligação.
- Alô! Com
quem eu falo?
- Com que o
senhor deseja falar?
É o Seo
Carlos da Papaguara – repito.
- Eu já lhe
respondi que nesse número não tem nenhum Seo Carlos da Papaguara.
- Como não
Seo Carlos! Eu acabei de ligar lá na Papaguara e me confirmaram que o número é
esse mesmo.
- O meu nome
não é Carlos e o número que você está ligando é errado sô.
Não foi
possível continuar o diálogo. O mineirinho já desligou muito puto da vida.
Resolvemos dar
um tempo e insistir na brincadeira. Terceira ligação:
- Alô! É o
Seo Carlos da Papaguara?
Para surpresa
minha, Mineirinho responde:
– Sim, é o
Seo Carlos da Papaguara.
Daí, eu achando
que a coisa ia ficar mais divertida, tento dar continuidade ao diálogo:
- É o
seguinte Seo Carlos... Nem terminei e ele disparou:
- Seguinte é
a puta que ti pariu, seo fi-lho da pu-ta! Cor-no! Vi-a-do! Vai encher saco da
tua mãe na zona seo merda. Xingou bastante e desligou.
Resolvemos
colocar um ponto final na brincadeira. A intenção foi tirar Mineirinho do sério
e havíamos conseguido com sucesso.
No dia
seguinte, todos na sala de trabalho, chega mineirinho com o cigarro inseparável no dedo. Vai
direto até a mesa do mano-velho, e diz:
- Vou
precisar dar uma saída. Preciso ir resolver um problema do meu celular.
Mano-velho,
sem saber de coisa alguma, pergunta – o que foi que houve?
- Tem um
corno filho de uma puta ligando para o meu celular e achando que eu sou um tal
de Seo Carlos da Papaguara. Antes que esse corno ligue de novo, vou trocar o
número do meu celular.
Ouvindo tudo
bem ali ao lado, eu e o cunhado de mineirinho resolvemos mudar de plano.
Havíamos combinado contar para ele que tudo fora uma brincadeira. Diante do
novo contexto, e o estado de espírito beligerante de mineirinho, o melhor a fazer era manter
a paz fazendo segredo da brincadeira. O máximo a fazer naquele momento era demonstrar solidariedade.
Só não vou contigo porque estou muito ocupado – comentou cinicamente o cunhado.
Já próximo do
horário do almoço, mineirinho retorna na maior bronca.
Resolveu tudo
– pergunta o cunhado já meio que arrependido da brincadeira.
- Porra
nenhuma! Para trocar o número tem que pagar uma grana. Eu não vou fazer esse
sacrifício por causa desse filha de puta que tá me ligando direto.
- Não me
digas que esse corno filha da puta continua ti ligando até agora – continua?
- Não tá
ligando por que eu estou com o celular desligado desde ontem.
Liga essa
porra – manda o cunhado. Tu parece que é português. Como é que tu vais agora saber se
ele ligou ou não ligou deixando o celular
desligado.
Mineirinho olha
para mim e pergunta: - você acha que eu devo deixar ligado?
Tratei de incentivar
a ideia: - vai, liga logo, deixa essa porra ligado.
A partir daí,
monitoramos por vários dias os acontecimentos. Assim que mineirinho entrava na sala, o cunhado muito
sério interrogava:
- E aí! O filho
da puta ti ligou outra vez?
- Não ligou
não sô. Eu acho que esse corno esqueceu o meu número.
Amém! – completava
o cunhado sorrindo cinicamente em minha direção.
Essa brincadeira
foi mantida em segredo por vários anos.
Quando
resolvemos revelar tudo para Mineirinho, acabamos tendo uma surpresa. Ele ouviu todo o relato, lembrou dos
mínimos detalhes, deu boas gargalhadas e encerrou mineiramente dizendo:
- Putaria sô!