2 de abril de 2021

CADÊ MEU TROCO!

 

Durante uma época no trabalho, nas sextas-feiras um grupo de amigos tinha por hábito ir almoçar no shopping da cidade - o CECOMIZ. Havia lá um restaurante, o único com ar-condicionado, onde serviam bons pratos à la carte. O prato de filé com um bom acompanhamento era uma das especialidades da casa. Além de muito saboroso, servia duas pessoas numa boa.

Numa dessas sextas-feiras almoçamos juntos, eu, Luciano Muelas, Dr. Weber Medeiros, o nosso querido guru, e mais Adão Ladeira, o mineiro baixinho invocado da turma.

Luciano e Weber optaram por pedir um prato de peixe. Lembrei que um dos motivos desses amigos terem como opção o Cecomiz para o almoço nas sextas-feiras, era o fato de que lá existia também a lojinha onde eles faziam o aluguel de canoas para pescar tucunaré no Lago de Balbina no final de semana. Terminado o almoço, essa lojinha era o ponto de encontro dos alhiêutas até a hora de retornarmos ao trabalho.

Nesse dia, Eu e Adão, depois de muita discussão e troca de insultos, optamos pelo prato de filé que eu já comentei. A discussão e a troca de indultos tinha, obviamente, um motivo. É que Adão queria ir sempre no prato mais barato do cardápio e naquela sexta-feira era a vez dele, um  tremendo mão-de-vaca, pagar a conta.  

Fomos servidos, comemos bem e não precisa dizer que não houve sobras. Em seguida o garçom nos trouxe o cafezinho e a conta. A nossa parte na despesa Adão pagou com dinheiro e havia troco a receber. Enquanto o garçom foi até o caixa pegar o troco, continuamos conversando na mesa. Quando o garçom voltou com o troco, Adão estava com a palavra na conversa. Olhei para o garçom e ele estava com 10 reais na mão. Fiz um sinal disfarçado com a mão e o garçom entendeu que era para ele ficar com o troco. Deu meia volta e foi embora agradecido.

Não lembro qual era de fato o assunto que conversávamos à mesa, só sei que era polêmico, exatamente como Adão gostava e daí não parava de falar e colocar seus argumentos. Dei um tempo, olhei para o Luciano e fiz um sinal no sentido de levantarmos da mesa. 

Vamos Weber, disse Luciano cortando a conversa - temos que reservar a nossa canoa para a pescaria de amanhã.  Levantamos, saímos do restaurante e fomos caminhando na direção da loja que ficava no final do corredor do pavilhão. Adão não parava de falar, provocado pelo Weber que sabia fazer isso como ninguém.

De repente, Dadá para no meio do corredor e já de cara amarrada esbraveja:

- Cadê o meu troco?

E tinha troco – pergunta o Luciano. Sei de nada não – digo eu.

Esquece esse troco Adão – completa o Weber.

Porra, é 10 reais sô, eu vou buscar sô – replica Adão e ameaça voltar em direção ao restaurante. Eu já imaginava que isso ia acontecer e tratei de abrir o jogo:

- Adão, não surta, fui eu que dei o troco de gorjeta para o garçom.

Já surtando indignado, Adão dispara a sua metralhadora: - puta que pariu, porra, caralho, vocês deram o meu troco de 10 reais para o garçom. Eu não admito isso sô! Isso é uma falta de respeito sô! Isso é sacanagem sô! Um de vocês vai ter que me devolver esses 10 reais.

Tentei convencer Adão que a gorjeta era justa, que o garçom era parceiro, nos atendia muito bem e merecia aqueles 10 reais. Isso tudo no meio do corredor do Cecomiz, na tentativa de impedir Adão de voltar para pegar o troco.

Quando tudo parecia que ia acalmar, Weber resolver provocar o baixinho:

- Adão, tu já tinhas dado alguma vez na vida uma gorjeta de 10 reais?

- Nunca sô! Até tu Dr. Weber, num fresque não sô.

Em resumo, nem Weber, nem Luciano viram quando eu fiz o sinal para o garçom ficar com o troco. Até hoje Adão acredita que Weber não participou daquela sacanagem, mas tem certeza que eu e Luciano armamos para o garçom ficar com o troco dele. Quanto a devolver a ele o troco de 10 reais, nunca mais fomos cobrados pelo baixinho. Mas, se lembramos do episódio, aí vem bronca – fresque não sô! 

30 de março de 2021

Seo CARLOS da Papaguara.

 

Logo que surgiram os celulares na vida da gente, eram poucas aquelas pessoas que exibiam um na cintura. No setor onde eu trabalhava apenas um colega, o mineirinho da turma, andava com um aparelho desses pendurado na cintura, normalmente desligado.

O aparelho mais parecia um pequeno tijolinho munido de uma pequena antena. Mineirinho dizia aos colegas que celular era uma coisa muito pessoal. Não passava o número para ninguém e mantinha o aparelho sempre desligado. Somente um dos nossos colegas, carinhosamente chamado de mano-velho, sabia o número do celular do mineirinho.

Nessa época, era novidade também o uso de agenda eletrônica. Mano-velho andava pesquisando para comprar uma agenda para ele. Eu e o cunhado de mineirinho, sugerimos ao mano-velho que investisse numa agenda de boa qualidade. Aceitou a ideia e fomos juntos ajudá-lo a comprar a agenda numa loja do shopping que estava vendendo no crediário.

Na hora de colocar a agenda para funcionar, mano-velho ficou desorientado de como fazer a inclusão das informações. O manual que acompanhava a agenda não trazia as instruções em português. Daí, eu e o cunhado de mineirinho nos propomos a ajudá-lo a operar e inserir os dados dos seus contatos na agenda.

Feita a leitura do manual, o cunhado de mineirinho propõe fazermos um teste começando por registrar os telefones das pessoas cujas nomes começassem pela letra “A”, que era exatamente o letra inicial do nome do colega mineirinho, dono do único celular dentro do setor.  

Captei a intenção do colega e disse para o mano-velho:

- Então vamos começar pelos dados do mineirinho.

Mano-velho, ingenuamente, concordou e começamos a fazer a inserção das informações. Nome completo do mineirinho, endereço, telefone residencial, e-mail. Quando chegou a hora de registrar o número de telefone, o cunhado do mineirinho joga a isca:

- Mano-velho, aproveita e já coloca aí também o número do celular do mineirinho.

Sem entender o golpe, mano-velho morde a isca, pega a sua agenda manual, busca o número do celular do mineirinho e dita número por número. Daí para frente mano-velho tomou conta de alimentar de informações a sua agenda.

No dia seguinte, o cunhado de mineirinho vai até a minha mesa e propõe fazermos uma pegadinha. O risco de sermos descobertos era muito pequeno. Na cabeça de mineirinho, além do mano-velho, ninguém do setor tinha o seu número de celular.

Ficamos um bom tempo matutando o que fazer e como fazer.

A primeira tentativa de contato foi apenas para confirmar o número. Para isso era preciso ter uma desculpa para justificar a ligação.

Alô! Com quem eu falo – pergunto.

Do outro lado da linha Mineirinho retruca - com quem o Sr. deseja falar?

- É o Seo Carlos da Papaguara?

- Como! Entendi não sô!

É o Seo Carlos da Papaguara – insisto.

Não tem nenhum Seo Carlos aqui não.

- Como não! O número não é XXXXXXXX.

- Sim, o número é esse mesmo, mas não é do Seo Carlos.

Como a intenção inicial era apenas confirmar o número, encerrei a ligação.

Na primeira ligação tive a impressão de que ele estava dirigindo. Demos um tempo para fazer a próxima ligação.

- Alô! Com quem eu falo?

- Com que o senhor deseja falar?

É o Seo Carlos da Papaguara – repito.

- Eu já lhe respondi que nesse número não tem nenhum Seo Carlos da Papaguara.

- Como não Seo Carlos! Eu acabei de ligar lá na Papaguara e me confirmaram que o número é esse mesmo.

- O meu nome não é Carlos e o número que você está ligando é errado sô.

Não foi possível continuar o diálogo. O mineirinho já desligou muito puto da vida.

Resolvemos dar um tempo e insistir na brincadeira. Terceira ligação:

- Alô! É o Seo Carlos da Papaguara?

Para surpresa minha, Mineirinho responde:

– Sim, é o Seo Carlos da Papaguara.

Daí, eu achando que a coisa ia ficar mais divertida, tento dar continuidade ao diálogo:

- É o seguinte Seo Carlos... Nem terminei e ele disparou:

- Seguinte é a puta que ti pariu, seo fi-lho da pu-ta! Cor-no! Vi-a-do! Vai encher saco da tua mãe na zona seo merda. Xingou bastante e desligou.

Resolvemos colocar um ponto final na brincadeira. A intenção foi tirar Mineirinho do sério e havíamos conseguido com sucesso.

No dia seguinte, todos na sala de trabalho, chega mineirinho com o cigarro inseparável no dedo. Vai direto até a mesa do mano-velho, e diz:

- Vou precisar dar uma saída. Preciso ir resolver um problema do meu celular.

Mano-velho, sem saber de coisa alguma, pergunta – o que foi que houve?

- Tem um corno filho de uma puta ligando para o meu celular e achando que eu sou um tal de Seo Carlos da Papaguara. Antes que esse corno ligue de novo, vou trocar o número do meu celular.

Ouvindo tudo bem ali ao lado, eu e o cunhado de mineirinho resolvemos mudar de plano. Havíamos combinado contar para ele que tudo fora uma brincadeira. Diante do novo contexto, e o estado de espírito beligerante de mineirinho, o melhor a fazer era manter a paz fazendo segredo da brincadeira. O máximo a fazer naquele momento era demonstrar solidariedade.

Só não vou contigo porque estou muito ocupado – comentou cinicamente o cunhado.

Já próximo do horário do almoço, mineirinho retorna na maior bronca.

Resolveu tudo – pergunta o cunhado já meio que arrependido da brincadeira.

- Porra nenhuma! Para trocar o número tem que pagar uma grana. Eu não vou fazer esse sacrifício por causa desse filha de puta que tá me ligando direto.

- Não me digas que esse corno filha da puta continua ti ligando até agora – continua?

- Não tá ligando por que eu estou com o celular desligado desde ontem.

Liga essa porra – manda o cunhado. Tu parece que é português. Como é que tu vais agora saber se ele ligou ou não ligou deixando o celular  desligado.

Mineirinho olha para mim e pergunta: - você acha que eu devo deixar ligado?

Tratei de incentivar a ideia: - vai, liga logo, deixa essa porra ligado.

A partir daí, monitoramos por vários dias os acontecimentos. Assim que mineirinho entrava na sala, o cunhado muito sério interrogava:

- E aí! O filho da puta ti ligou outra vez?

- Não ligou não sô. Eu acho que esse corno esqueceu o meu número.

Amém! – completava o cunhado sorrindo cinicamente em minha direção.

Essa brincadeira foi mantida em segredo por vários anos.

Quando resolvemos revelar tudo para Mineirinho, acabamos tendo uma surpresa. Ele ouviu todo o relato, lembrou dos mínimos detalhes, deu boas gargalhadas e encerrou mineiramente dizendo:

- Putaria sô!