A casa onde morávamos, toda feita em pedra e madeira, já não existe mais.
Dormíamos no mesmo quarto: eu, mano Agostinho e nosso mano Cláudio de saudosa memória.
Durante esses dias da semana, e isso por muitos anos, passamos por um verdadeiro castigo gastronômico. Tínhamos que encarar um prato fundo de sopa antes da refeição principal do almoço. Na mesa, com toda a família reunida, quem não tomasse a sopa não podia se levantar da mesa, não tinha direito a reclamar de nada, nem era servido do prato principal pela vovó Graziela.
Havia uma regra irretratável na mesa do almoço. Ninguém tocava na comida para se servir. A sopa vinha da cozinha já na medida certa para todos. Depois da sopa, vovó servia um a um, começando pelo nosso avô Manoel. Era cumprida uma ordem cronológica. Eu era o penúltimo e minha irmã Diana era a última a ser servida do prato principal. A sopa da Diana, coitada, era sempre a mais salgada. Antes do prato de sopa chegar ela já estava chorando.
O castigo só não era maior por que todo dia era uma sopa de sabor diferente. Mas, tinha aquele dia que era ruim para a maioria. Era o dia de quinta-feira, quando a sopa era de nabo, a preferida de vovô Manoel. Nesse dia todos tomavam a sopa olhando um para a cara do outro, querendo chorar junto com a Diana. Para piorar, era o dia em que o prato principal tinha o que todos gostavam – bife suculento e aquela batata frita feita pela Dedé que comandava a cozinha da casa. Era tudo de propósito, com certeza.
São muitas as histórias para contar vividas com esses manos Agostinho e Cláudio.
Eu nunca tive um irmão de sangue, mas, Deus me deu a felicidade de ser criado com dois seres humanos maravilhosos. Agostinho, que hoje está no berço, e Cláudio, que já não está mais entre nós. Por ser o mais novo dos 3, além do amor de irmão que nos unia, eu tinha a certeza da proteção deles em qualquer circunstância. Nas peladas da turma da rua, ai daquele que tentasse me machucar – o sarrafo comia solto. Quando eu queria sair durante a noite, isso só era possível na companhia de um deles e tinha hora certa para voltar. Eles nunca me deixaram na mão.
A única reclamação que tenho deles era quando saiam para namorar ou para as festinhas e eu ficava sozinho no quarto de dormir. As noites ficavam mais longas. Como a casa era antiga, as portas batiam sozinhas, o assoalho rangia e o medo ainda me fazia ouvir ruídos e vozes estranhas, o suficiente para não dormir e me cobrir até a cabeça com o lençol. Assim, eu não corria o risco de dar de cara com nenhum fantasma. Eu suava da sola do pé até a cabeça. Quando um deles chegava, eu ouvia o barulho do portão de entrada sendo aberto. Eu tirava o lençol de cima de mim e fazia de conta que estava tudo bem. Era um tremendo alívio. Só que muitas vezes esse alívio só vinha depois das 2 ou 3 da madrugada. Se fosse tempo de carnaval, aí eu só ia dormir quando o dia estava amanhecendo e a luz entrava por um janelão que tinha no nosso quarto e dava para os fundos do terreno da casa.
Ao meu mano Agostinho, quero aqui encerrar essa pequena lembrança expressando o meu eterno amor e carinho, desejar-lhe muita saúde, luz, paz, alegrias, realizações e vida longa.