20 de dezembro de 2020

AMIGOS para sempre...

Quem não carrega na mente e no coração muitas lembranças e saudades do seu tempo de criança e, em particular, da sua juventude? Da Escola, por exemplo, trazemos lembranças e amizades que são eternas. É disso que eu quero falar agora, ou seja, de amizades sinceras e eternas. Quero prestar uma homenagem e expressar a minha gratidão a um parceiro da minha juventude, um colega de sala de aula do Colégio Dom Bosco, que se transformou num verdadeiro amigo, um irmão que eu guardo com imenso carinho lá no fundo do coração.

Quando completei 60 anos e a família resolveu comemorar essa data, bateu uma certa angustia no coração. Não iria conseguir reunir todos aqueles que eu gostaria de rever naquela data de 06.01.2015. Algumas ausências seriam compreensivas, mas, a ausência de uma delas seria inimaginável. Falo do meu amigo e irmão Wilson Pereira Barbosa, carinhosamente chamado de Tabica, apelido dado por seu pai, Bibi, que nasceu de uma brincadeira com a sua mãe, Dona Chagas. Consegui localizá-lo e convidá-lo para meu aniversário. Ele, junto com a sua esposa Nonata, me presentearam marcando presença na minha festa de entrada para o time dos sexagenários.

Nossa amizade começou em sala de aula. Frequentamos a mesma turma em todos os anos que passamos no Colégio Dom Bosco. Tínhamos duas paixões em comum – a bola e o mesmo time de futebol – FAST CLUBE. Fazíamos qualquer coisa para jogar bola, seja onde fosse. Tabica era um craque muito requisitado. Jogou até em time profissional da cidade. Pelo Dom Bosco, juntos fomos campeão estudantil de futebol de salão em 1970. Aliás, jogando futebol de salão, acredito que jogamos em todas as quadras que haviam na cidade naquela época. Deixamos muita pele e sangue nos pisos caraquentos da maioria das quadras de futebol de salão da cidade. Jogamos também pelo time do nosso saudoso Seo Araquém, do Bairro da Aparecida, que nos levava para os jogos e torneios sentados na carroceria do seu caminhão. Seo Araquém era pai de um dos nossos colegas de sala de aula – Irani Solano.

Nos estudos, Wilson era um aluno muito dedicado. De família humilde, ele sabia da importância de aproveitar a oportunidade de estudar numa escola como o Colégio Dom Bosco. De minha parte, diferente de Wilson e outros colegas, nunca fui um bom aluno. Todos os anos lá estava eu de segunda época, quase sempre em português, do odiado Prof. Alencar que, muitos anos depois, nos reencontramos como colegas servidores da Suframa. Naquele tempo, as aulas normais do ano letivo terminavam até o final de novembro e as provas de segunda época só aconteciam em fevereiro do ano seguinte. Nesse intervalo, eu e Wilson arrumávamos sempre um jeito de curtir as férias, sem deixar de jogar as nossas peladas, obviamente. Lembro que numa dessas férias, financiada pelo meu avô Manoel Ribeiro, fomos de barco até Parintins, onde tínhamos um colega de classe, Adalmiro, que sempre nos convidava para ir até lá. Para variar, jogamos por lá umas 3 partidas de futebol de salão antes de voltar.

Quando nossa turma chegou no terceiro ano científico e passamos a desfilar orgulhosamente com aquelas 3 estrelinhas na manga da camisa do colégio, tomei consciência de que era chegada a hora de levar a sério os estudos e me preparar para o vestibular.

Tínhamos um pequeno grupo de estudo. Um quarteto - Alfredo, Emmanuel, Florêncio, James e Wilson. Passamos a estudar com afinco depois das aulas do Dom Bosco. No terceiro ano o Colégio Dom Bosco tinha uma parceria com o Cursinho pré-vestibular Boechat.

Reuníamos para estudar numa sala que ficava no piso inferior da casa do meu tio Manoel, logo ao lado da casa onde eu morava com meus pais e meus avós, na Av. Getúlio Vargas. Quando dava, fazíamos cota para contratar alguns professores para nos dar aulas particulares de alguns matérias como química, física e matemática. Nesses dias o grupo crescia um pouco.

Um dos colegas do quarteto, Alfredo, tinha na época um fusquinha. Era o único motorizado do grupo. Depois que acabávamos de estudar, ele fazia a rota para deixar os colegas em casa. Quando não terminávamos muito tarde, antes de iniciar a rota, íamos lanchar juntos na lanchonete que existia no aeroporto de Ponta Pelada, onde comíamos o melhor sanduíche misto da cidade. Agora, se for falar do que acontecia durante essa rota, precisaria de alguns capítulos para contar tudo.

Incentivando um ao outro, mergulhamos fundo na preparação para o vestibular. O ano era 1973 e o vestibular aconteceu em janeiro de 74.

Naquele tempo os nomes dos aprovados no vestibular eram anunciados pelas rádios da cidade, um a um. A expectativa era muito grande. No dia do anúncio eu havia saído de casa e, quando voltei, percebi que tinha alguma coisa de errado. E havia! O resultado tinha saído na rádio e o meu nome não fora anunciado entre os aprovados na UFAM. Logo bateu aquela tristeza, pois, eu havia me entregue aos estudos e não tinha logrado êxito. Meus pais, Luiz e Rosalina Aguiar, ainda não estavam em casa. Ambos trabalhavam. E agora - o que dizer a eles.

Minha mãe chegou do trabalho e tratei logo de dar a notícia ruim. Ela era a minha fiel escudeira. Ficou triste, mas, como sempre, me deu aquela força. Agora, era esperar como meu pai ia receber e reagir a essa notícia. Minha mãe tomou a iniciativa de contar a ele assim que chegou. Passado uma hora, tempo para tomar seu banho e trocar de roupa, ele me chamou para conversar em particular. Papai tinha uma fala mansa. Nunca levantava a voz. Seus olhos graúdos falavam tudo. Uma bronca dele soava como uma surra. Já fui chegando perto com lágrimas nos olhos, envergonhado com o resultado. Papai nessa época já enfrentava as mazelas da doença que lhe levou cedo, com apenas 51 anos de idade.

Não fique triste – disse ele. Eu e sua mãe sabemos que você se dedicou para fazer o vestibular. Você fez a sua parte. Ano que vem tem outro vestibular. Se você manter a mesma dedicação e empenho, com certeza vai conseguir.

Daí em seguida ele me fez uma pergunta: - e seus colegas, quem passou? O Wilson passou? Papai gostava muito dos meus colegas da Escola, mas tinha um carinho maior pelo Wilson, que dizia ser um garoto muito centrado, educado e responsável.

Respondi que ele tinha sido aprovado e que gostaria de ir até a casa dele para parabeniza-lo. Faça isso – disse papai. Pegou a sua carteira e me deu o dinheiro para o taxi.
 
Ao atravessar o portão de entrada da casa de Wilson, já percebi que a alegria era contagiante. Ao notarem a minha presença, o clima mudou um pouco. Eles sabiam que eu não havia sido aprovado. Recebi palavras de conforto e fé de que a aprovação viria no próximo vestibular, como de fato aconteceu. Mas, ali naquele momento, a minha angustia por não ter sido aprovado já estava superada. Eu não me sentia culpado ou derrotado. Eu estava ali não para me lamentar, mas para comemorar e demonstrar a minha alegria pelo êxito do meu colega, amigo e irmão. Aprendi que não basta torcer pelo sucesso de um amigo, temos que vibrar com as suas vitórias.

No ano seguinte, logrei êxito no vestibular tanto na UFAM, como na UTAM.

A amizade com meu irmão Tabica continua. Passamos um longo tempo sem nos ver ou nos falar. Agora, aproveitando dos avanços tecnológicos, estamos sempre nos comunicando via whatsapp. Trocamos ideias, falamos do trivial, de família, de amor e de fé. Falamos um pouco de tudo e principalmente da nossa paixão maior – FAST CLUBE, que está arrasando na série D do campeonato brasileiro. Ao meu amigo e irmão Wilson Tabica, a minha eterna amizade e gratidão.

24 de outubro de 2020

CAMPANHA do DOUTOR & CORONEL & CAPITÃO e outros

O que vamos comentar é comum nas campanhas eleitorais em todos os níveis. Mas, na campanha deste ano de 2020, depois que um militar da reserva alçou ao cargo maior da república e optou por privilegiar os ex-colegas de farda para comandar a máquina pública, observa-se que o civil candidato que é médico, em particular, potencializou a promoção da sua candidatura colocando o Doutor antes do nome e enaltecendo os seus feitos na profissão, enquanto o militar da reserva, que também está disputando o pleito, faz o mesmo colocando a sua patente antes do nome e enaltecendo os seus feitos no tempo de caserna. 

A questão é: será que isso de fato ajuda em alguma coisa nas candidaturas? Será que isso conquista votos nas urnas? Será que esses candidatos sabem de verdade qual são as atribuições do Prefeito e do Vereador? 
 
Ora, na Prefeitura, se o vencedor for um médico, ele não vai lá comandar um consultório, não vai dar consulta, nem usar estetoscópio para auscultar ninguém dentro do seu gabinete. Da mesma forma, se o vencedor for um militar, ele não vai para lá comandar uma caserna, nenhuma tropa de elite ou de estafetas, nem trabalhar de boina ou coturno. Idem na Câmara Municipal. 
 
O curioso nisso tudo, pasmem, é que tem aqueles bacanas que se sentem melindrados quando não chamados solenemente de doutor, coronel, capitão, etc. Conheci uma pessoa no exercício da atividade pública, acreditem, que se recusava a abrir envelopes que não traziam o Dr. antes do seu nome. Minha avó, sabendo dessa frescura toda, sem nenhuma cerimônia, mandaria todos para o raio que os partam.

19 de outubro de 2020

TV P&B – A primeira vez ninguém esquece...

 

Quando se fala de TV em preto e branco, voltamos no tempo para lembrar a primeira vez que assistimos alguma coisa numa televisão em Manaus. Quem lembra desse momento mágico de quando as imagens de TV chegaram em nossa cidade e nas nossas casas?

 Na avenida Getúlio Vargas, onde eu nasci e morei por mais de 20 anos, a primeira família a ter uma TV P&B na sala de estar, morava do outro lado da rua, bem em frente de nossa casa. Era a família de Arthur, nosso colega de rua. Filho único, gostava de levar os colegas para brincar  na sua casa e era uma coisa que todos adoravam. No meio das brincadeiras vinha sempre aquela merenda caprichada e reforçada preparada pela sua mãe.

Quando chegou a televisão, Arthur nos chamava para assistir junto com ele e seus pais. Era sempre depois do jantar da família, pois, somos daquele tempo em que as famílias sentavam-se à mesa para almoçar e para jantar.

Para assistirmos TV na sala de estar da casa de Arthur, havia uma exigência irretratável. Nenhum dos seus colegas podiam sentar no sofá para não sujarem o assento e o encosto. Era compreensível essa preocupação. Enquanto aguardávamos ser chamados para entrar, ficávamos na calçada da frente brincando e fazendo algazarra. Quando entrávamos, já estávamos todos no mínimo bem suados. Em pouco tempo a sala de estar exalava aquele cheiro azedo e inconfundível de moleque suado, o que incomodava a mãe de Arthur que nos ameaçava sempre: - amanhã quem não vier tomado banho não entra.  

Dos programas que existiam, lembro bem de um de dublagens. Aliás, nesse tempo em Manaus havia até festival de dublagem, com excelentes dubladores. Tinha um dublador que era muito engraçado que, se não estou enganado, era chamado de Ratinho. Ele era espetacular. Ednelza Sahado, que depois virou atriz e já fez até novela na Globo, era uma das rainhas da dublagem naquela época.

Tinha também os desenhos animados inesquecíveis: Tom & Jerry, Batifino e Karatê, Hugo Agogo, Corrida Maluca do cachorro Muttley, Dick e Penelope, Pepe Legal, Pantera Cor de Rosa, Papa-léguas e Coiote, Popeye, Pica-Pau, Ricochete e Blau-Blau.

Lembro que por algumas vezes ficamos proibidos de entrar na casa de Arthur para assistir os programas de televisão. Entre os colegas, havia aqueles que gostavam de apelar nas brincadeiras, principalmente para irritar a mãe de Arthuzinho (era assim que ela o chamava). No melhor do programa, um dos colegas, propositalmente, soltava um “pum”, também conhecido como “traque”. Pense num peido fedido dos infernos.

 A mãe de Arthur reagia no ato:

- Não vou nem perguntar quem foi o mal educado que comeu carniça. Saiam todos! E já vou avisando, amanhã desapareçam da minha porta pois não tem televisão.

E você que acabou de ler esse episódio, como e quando foi a sua primeira vez diante da TV? Qual a sua lembrança desse momento e desse tempo mágico que não volta mais? Conta aí, vai...

14 de outubro de 2020

Serrinha Tlec Tlec

Dá para imaginar o que é uma serrinha tlec tlec? Pois é! Essa coisa estranha faz parte da minha história. Faz parte também de uma singela passagem de minha vida ainda criança, no convívio de meus pais e avós. Eu lhes conto! 

Eu tive um irmão que também se chamou Emmanuel. Ainda nos primeiros meses de vida, Deus entendeu que devia levar Emmanuel para o seu aconchego e assim foi cumprida a sua vontade. Daí então Luiz Aguiar e Rosalina Ribeiro trataram de trabalhar direito novamente, trazendo ao mundo, em 06 de janeiro de 1955, o segundo Emmanuel. 

Aqui estou eu, já cinquentão, mas ainda com gás e memória suficiente para relembrar e contar essa história. Eu fui o primeiro neto de Graziela e de Manuel Ribeiro. Meu avô era mais conhecido como Manuel Ribeiro do J. Soares, tradicional loja de ferragens que ficava localizada em frente ao Mercado Municipal de Manaus. Quando nasci, meus pais já haviam passado a morar juntos com meus avós, na avenida Getúlio Vargas, quase na esquina com a rua Ramos Ferreira. Sendo eu o primeiro filho e neto dentro de casa, obviamente todas as atenções eram voltadas para mim, o que era muito paidégua. O tempo ia passando e essa atenção se multiplicando, principalmente em termos de carinho. Não tenho do que reclamar e, confesso – me orgulho de ter sido criado com vó. A diferença é que eu tinha a mais linda e carinhosa vovó do mundo. Sabia ser dura nas horas certas e dava preferência por puxar as minhas orelhas, em lugar de me aplicar boas palmadas, que já era uma especialidade da minha mãe Rosalina. Papai, sempre sereno, optava por dar sermões, que no fundo doíam mais do que os puxões de orelhas de vovó e as palmadas de mamãe. 

Tudo ia muito bem, até que surgiu uma conversa dentro de casa de que um tio meu, chamado Manoel Henriques Ribeiro, ia chegar a Manaus. Comecei a perceber que as atenções e a alegria do ambiente de casa não eram mais uma exclusividade minha. Eu sabia pouca coisa desse tio, a não ser que foi estudar e morar num lugar muito longe, numa cidade chamada Bauru, no interior de São Paulo. Pouco me importava naquele momento de onde ele vinha, mas sim o espaço que eu ia ter que dividir com ele dentro de casa. O espaço que eu falo, era o espaço no coração dos meus avós Graziela e Manuel Ribeiro. Eu ainda não compreendia naquele momento, que em nossos corações, quando o assunto é amor, na verdade existe lugar para todo mundo. 

Pronto - chegou o dia! O sujeito desembarcou e veio mesmo para bagunçar o meu coreto. Para começar, de cara deixei de ser o homem mais lindo da casa. Todo mundo que olhava para ele dizia – ah, como você está lindo Manuelzinho! Vovó sorria e chorava ao mesmo tempo. Enquanto ela se derretia em lágrimas, eu, do lado dela, grudado que nem um carrapato, me derretia todo mas era de ciúmes. Pô, tudo bem! Eu até estava convencido de que o cara era boa pinta mesmo, mas estava invadindo de sola o meu espaço. A minha preocupação rapidinho passou a ser outro, ou seja, descobrir quando era que ele ia embora. 

Tio Manoel não fazia a menor ideia da minha ciumeira. Comecei a cercá-lo para saber até onde ia a sua ousadia de tomar o meu espaço. Lembro bem, já em casa, deitado na rede de meu avô e vendo eu ali cercando e atento a tudo, ele me chamou pela primeira vez para conversar. Começou a me fazer um monte de perguntas e a criar situações de brincadeiras. Até então eu não fazia ideia de que tio da gente gostava dessas coisas – perguntar um monte de besteiras e brincar feito um palhaço. Até hoje repito para chamar a atenção das crianças, o que ele fazia para mim. Coisas de palhaço! Vovó chamava isso de presepadas. Mas o pior de tudo é que eu estava adorando. 

Comecei a sentir ali naquele momento que a minha preocupação era boba, pois ocupávamos espaços bem diferentes, e que na verdade eu estava ganhando naquele instante mais alguém na minha vida para me cercar de carinho e de atenção. Quando paramos a brincadeira, ele levantou da rede e me deu um abraço. Desse abraço em diante, ganhei muito mais que um tio - eu ganhei um outro pai e amigo, a quem dedico essa singela passagem da história de minha vida. Entre as coisas que temos em comum, eu e tio Manoel temos uma grande e eterna paixão que é cantada assim: timãoooo ê ô, timãoooo ê ô , timãoooo ê ô, timãoooo ê ô... 

Passado alguns dias depois desse primeiro bate-papo real, mágico e cheio de brincadeiras que tinha acontecido entre eu e tio Manoel, senti que dava para maneirar um pouco com a minha ciumeira. Passei então a arrumar desculpas para estar por perto e ganhar a atenção dele. Valia de tudo! Pegava meus brinquedos, um por um, e levava para ele conhecer. Até que um dia, sem nenhum brinquedo mais para mostrar, resolvi apelar de outra forma. Cheguei junto e perguntei: 

- Tio, o senhor sabe onde está a minha serrinha? Sem saber do que se tratava, ele argumentou – que serrinha essa? Aquela que faz tlec, tlec – completei. A casa inteira nesse dia foi mobilizada para procurar a tal serrinha tlec tlec, mas fui eu mesmo que acabei achando. Afinal, nada havia se perdido. Dei aquela enrolada, peguei o brinquedo supostamente desaparecido e fui correndo para mostrar ao tio Manoel. Aproximei-me da rede onde ele estava deitado no quarto de vovó e gritei: – Achei a minha serrinha tlec tlec. Tio Manoel olhou meio que espantado, e só então veio a entender que a tal serrinha tlec tlec, que eu dizia ter sumido dentro de casa, nada mais era do que um revólver de brinquedo plástico, que quando acionado o gatilho, fazia o barulho tlec, tlec. 

O certo é que eu armei e acabei me dando mal. Depois desse episódio e de muita gozação, ganhei o meu primeiro apelido de que tenho lembrança – serrinha tlec tlec.

9 de outubro de 2020

CELSO PIACENTINI (in memoriam)


   Celso Piacentini - JETRO/JAPÃO - 2007 
O polo industrial de Manaus perdeu um excelente profissional. Além da competência reconhecida, Celso Piacentini era uma pessoa simples, muita simpática e alegre. O momento é de tristeza pela sua partida, porém, quem conheceu Celso, sabe que ele, de onde estiver, quer na verdade nos ver bem e alegres, como ele era no convívio com os amigos.

Assim, gostaria aqui de lembrar de um episódio alegre vivido com Celso, durante uma viagem que fizemos ao Japão, no ano de 2007, onde ele, representando a FIEAM, fez uma apresentação a empreendedores e consultores japoneses interessados no modelo ZFM, falando do ponto vista das indústrias, em particular da questão logística que ele tinha pleno domínio. Essa apresentação, contou também com a presença do nosso amigo Sr. Teruaki Yamagishi, falando da experiência das empresas japoneses que acreditaram na ZFM e aqui estão instaladas. Eu e Jânio Bittar, pela Suframa, fazíamos a exposição do modelo ZFM, dos incentivos disponíveis às indústrias e, por meio de planilhas, demonstrava-se as vantagens competitivas de produzir na ZFM e não em São Paulo, por exemplo. Depois desse evento, seguiam-se reuniões que aconteciam na sede da embaixada brasileira, onde se atendia aqueles empresários e consultores interessados em maiores detalhes. 

Celso Piacentini e Teruaki Yamagishi - JETRO/JAPÃO 2007 

Mas, vamos agora ao episódio que eu de fato gostaria de relembrar com saudade dessa viagem com a participação do nosso amigo Celso Piacentini.

Essa apresentação ocorrida no Japão, a convite da JETRO (Japan External Trade Organization) e o apoio da embaixada brasileira, aconteceu no mesmo instante em que participávamos de um grande evento internacional e anual (FOODEX) que acontece na cidade de CHIBA, situada a cerca de 40km de Tóquio. É uma feira de alimentos e bebidas conhecida mundialmente e onde tínhamos um estande próprio na ala do Brasil. Os grandes fabricantes de alimentos e bebidas espalhados pelo mundo se fazem presentes nessa feira, lançando e divulgando os seus produtos.

No final dessa feira, normalmente no último dia, uma boa parte dos expositores costumam distribuir gratuitamente os seus produtos/sobras, evitando assim todos os contratempos e os custos de levá-los de volta para seus países de origens.

Entre os estantes mais procurados e visitados na feira, estão os dos fabricantes de azeite, onde os mais importantes sempre marcam presença. Assim, no final do evento, os azeites se transformam num dos brindes mais cobiçados para se ganhar e levar para casa.  

No penúltimo dia da feira, conversávamos com Celso no nosso estande e tocamos nesse assunto do azeite, ou seja, sobre a possibilidade de, no dia seguinte, último dia do evento, termos a sorte de  ganhar alguma garrafa de azeite para trazermos para casa. Nesse ano, um fabricante italiano estava na feira lançando um azeite especial, puro, orgânico e em garrafa de 1 litro. Era a nossa cobiça.

Depois de nos ouvir, Celso nos perguntou porque íamos esperar o último dia para tentar ganhar uma garrafa de azeite. Era a primeira vez dele naquele evento e explicamos que os expositores de azeite não davam brinde para ninguém, exceto para os potenciais compradores e após muita conversa. Nos estandes podíamos provar o sabor dos azeites com pequenos pedaços de pão, cada um mais gostoso do que o outro, principalmente os italianos.

Celso então lançou-nos um desafio. Pediu que nós o levássemos nos estandes em que a gente gostaria de ganhar uma garrafa de brinde e ele ia conseguir as garrafas de azeite para trazermos. Em troca nos responsabilizaríamos em trazer para Manaus o que ele arrebatasse, inclusive a que ele viesse a escolher.

Como Celso era muito brincalhão, não levamos muito a sério o desafio, porém, não custava nada visitar os estandes junto com ele e ver no que ia dar. Pelo menos uma coisa era certa - íamos comer muito pão para provar dos azeites.

Chegando no primeiro estande, do cobiçado azeite puro e orgânico, o expositor ficou logo muito empolgado. Celso já se apresentou sorridente, falando italiano e se mostrando interessado nos produtos. Trocou cartão, fez perguntas sobre os produtos e preços, fez até cálculos de frete, tamanho de container e tipo de transporte. Eu e Jânio, enquanto Celso conversava com o expositor, fazíamos a prova dos azeites com os pedacinhos de pão. Depois de quase meia hora, Celso encerrou a conversa pedindo ao expositor um exemplar dos azeites em exposição para ele levar para casa. Foi de cara atendido e arrebatou a primeira garrafa.

Fomos em frente e, em todos os estandes visitados, Celso ao final da conversa convencia o expositor a lhe dar de brinde uma garrafa para ele levar para casa.  

Ficamos satisfeitos. Foram seis estandes visitados e seis garrafadas arrebatadas. Mas, no final de tudo, sobrou para nós a missão de trazer as garrafas de azeite. Jânio trouxe 3 com ele e eu mais 3. Entre elas, a cobiçada garrafa de azeite puro, italiano, que Celso decidiu que essa seria a dele.

Com certeza existem muitas outras histórias alegres que os amigos de Celso gostariam de contar. Significa que vamos sempre lembrar com muito carinho desse amigo que agora descansa em paz em outro plano espiritual.

  

28 de agosto de 2020

Mano Agostinho...

Hoje, meu mano Agostinho está no berço. Um pouco mais velho do que eu, fomos criados juntos na Getúlio Vargas, já próximo da Ramos Ferreira, numa casa que tinha na entrada o nome de vila, sem ser de fato uma vila – Vila Rosalina. Entretanto, fazia divisão com uma vila de verdade e que existe até hoje - a Vila Mimi.

A casa onde morávamos, toda feita em pedra e madeira, já não existe mais.

Dormíamos no mesmo quarto: eu, mano Agostinho e nosso mano Cláudio de saudosa memória.

De segunda a sexta-feira almoçávamos todos juntos com os nossos avós Manoel e Graziela Ribeiro. Na hora do almoço, uma mesa de madeira de lei envernizada era espichada para poder caber diariamente 9 pessoas, com o vovô Manoel na cabeceira e vovó Graziela à sua direita comandando tudo e dando todas as ordens.

Durante esses dias da semana, e isso por muitos anos, passamos por um verdadeiro castigo gastronômico. Tínhamos que encarar um prato fundo de sopa antes da refeição principal do almoço. Na mesa, com toda a família reunida, quem não tomasse a sopa não podia se levantar da mesa, não tinha direito a reclamar de nada,  nem era servido do prato principal pela vovó Graziela.

Havia uma regra irretratável na mesa do almoço. Ninguém tocava na comida para se servir. A sopa vinha da cozinha já na medida certa para todos. Depois da sopa, vovó servia um a um, começando pelo nosso avô Manoel. Era cumprida uma ordem cronológica. Eu era o penúltimo e minha irmã Diana era a última a ser servida do prato principal. A sopa da Diana, coitada, era sempre a mais salgada. Antes do prato de sopa chegar ela já estava chorando.

O castigo só não era maior por que todo dia era uma sopa de sabor diferente. Mas, tinha aquele dia que era ruim para a maioria. Era o dia de quinta-feira, quando a sopa era de nabo, a preferida de vovô Manoel. Nesse dia todos tomavam a sopa olhando um para a cara do outro, querendo chorar junto com a Diana. Para piorar, era o dia em que o prato principal tinha o que todos gostavam – bife suculento e aquela batata frita feita pela Dedé que comandava a cozinha da casa. Era tudo de propósito, com certeza.

São muitas as histórias para contar vividas com esses manos Agostinho e Cláudio.

Eu nunca tive um irmão de sangue, mas, Deus me deu a felicidade de ser criado com dois seres humanos maravilhosos. Agostinho, que hoje está no berço, e Cláudio, que já não está mais entre nós. Por ser o mais novo dos 3, além do amor de irmão que nos unia, eu tinha a certeza da proteção deles em qualquer circunstância. Nas peladas da turma da rua, ai daquele que tentasse me machucar – o sarrafo comia solto. Quando eu queria sair durante a noite, isso só era possível na companhia de um deles e tinha hora certa para voltar. Eles nunca me deixaram na mão.

A única reclamação que tenho deles era quando saiam para namorar ou para as festinhas  e eu ficava sozinho no quarto de dormir. As noites ficavam mais longas. Como a casa era antiga, as portas batiam sozinhas, o assoalho rangia e o medo ainda me fazia ouvir ruídos e vozes estranhas, o suficiente para não dormir e me cobrir até a cabeça com o lençol. Assim, eu não corria o risco de dar de cara com nenhum fantasma. Eu suava da sola do pé até a cabeça. Quando um deles chegava, eu ouvia o barulho do portão de entrada sendo aberto. Eu  tirava o lençol de cima de mim e fazia de conta que estava tudo bem. Era um tremendo alívio.  Só que muitas vezes esse alívio só vinha depois das 2 ou 3 da madrugada. Se fosse tempo de carnaval, aí eu só ia dormir quando o dia estava amanhecendo e a luz entrava por um janelão que tinha no nosso quarto e dava para os fundos do terreno da casa.

Ao meu mano Agostinho, quero aqui encerrar essa pequena lembrança expressando o meu eterno amor e carinho, desejar-lhe muita saúde, luz, paz, alegrias, realizações e vida longa.