Autor: JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA*
Eu tenho tentado entender o ser humano. Essa tem sido a minha
obsessão. O primeiro ser humano que tentei entender foi o meu pai,
sem conseguir, entrementes.Eu tenho tentado entender o ser humano.
Essa tem sido a minha obsessão. O primeiro ser humano que tentei
entender foi o meu pai, sem conseguir, entrementes. Depois, na
condição de advogado, de promotor de justiça e de magistrado,
tentei, com sofreguidão, conhecer o ser humano que se esconde sob a
toga. São mais de 30(trinta) anos e ainda não consegui desvendar os
ministérios da toga. Não consigo compreender, por exemplo, por que
um homem, igualzinho a nós outros, quando coloca uma toga sobre os
ombros, se transforma – às vezes, radicalmente.
A metamorfose de alguns sob a toga me impressiona muito! Basta,
por exemplo, assistir a uma audiência e ver-se-á um homem comum se
transformar, abruptamente, num semideus – na imaginação dele,
claro – , ao colocar a toga sobre os ombros. Basta ir a uma sessão
de um Tribunal – qualquer Tribunal, de qualquer lugar, de qualquer
estatura – para, da mesma forma, ver-se a transformação se
operando, de forma inclemente e assustadora.
O homem comum, de súbito, como num passe de mágica, sob a toga,
se transforma diante dos olhos estupefatos dos circunstantes. O ser
humano, antes cordato, afável, tratável, humilde, se põe a toga
sobre os ombros, pronto!, não é mais o mesmo. Para lidar com ele,
pacificamente, sem receber uma reprimenda, uma descompostura pública,
tem que medir as palavras, pois que já se transformou no mais
intratável dos mortais.
Desses togados há os que não suportam a diversidade de opiniões.
Todos têm que pensar como ele pensa. Num colegiado, então, a coisa
é mais séria ainda. Quem ousa discordar dele, ganha a sua
antipatia, que, não raro, resvala para grosseria, tendo a
antecipá-la o indefectível Vossa Excelência, para dar um ar solene
a incivilidade.
Esse tipo de togado, inebriado, arrebatado, exaltado pela toga,
deseja, tenazmente, que todos sigam a sua linha de raciocínio, como
se num colegiado todos fossem obrigados a pensar de forma linear, ou
melhor, como ele pensa. Como se um colegiado não fosse o lugar
apropriado para a diversidade de opiniões, para o exercício da
dialética.
Esse tipo esquisito, sob a toga, se julga proprietário da
verdade. Divergir? Ele pode; os outros, não. Você pode até ousar
discordar das teses dele, mas saiba que a prevalente, a mais
apropriada, a que mais se amolda ao tema é a dele. A tese que mais
se ajusta ao caso sob análise é, enfim, propriedade dele e de mais
ninguém. Ele não admite partilhar a verdade. A verdade é domínio
dele. Domínio absoluto, registre-se. E não ouse dissentir, porque
ele vai entender a dissensão como uma afronta.
Inteligente? Só ele. Trabalhador? Ninguém faz tanto quanto ele.
Estudioso? Só ele abri livros. Decisões esmeradas? Só ele as
elabora. Discernimento? Só ele tem. A palavra final? Tem que ser a
dele. A posição prevalecente? Se não for a dele, faz muxoxo, faz
beicinho, deixa o ambiente, divaga, pragueja, deixa o interlocutor
falando sozinho, sai de cena, se isola, para, no isolamento, diante
do espelho, na tentativa vã de se convencer de que é o melhor,
indagar: espelho, espelho meu, tem algum togado mais inteligente do
que eu?
É triste, mas é verdade. Eu já tinha visto esse filme nas
últimas fileiras de uma sessão; hoje, vejo esse filme de uma
posição privilegiada.
Claro que não me refiro a todos os togados. Há, sim, os que não
mudam. Conheço muitos que professam a humildade, sem vacilo. Esses
não mudam. São sempre os mesmos homens – com toga ou sem toga.
São exemplo de humildade, de sensatez e tolerância. Mas esses, por
óbvias razões, não estão a merecer de mim nenhuma reflexão,
nenhuma menção.
Tenho dito, em incontáveis escritos, que o exercício do poder,
ou de qualquer parcela de poder, exige de todos humildade, como, de
resto, está a exigir a nossa convivência com o semelhante.
O homem que tem sob as suas mãos uma parcela relevante de poder,
tem que ser mais humilde que qualquer outra pessoa; não pode,
definitivamente, ser arrogante, pois essa arrogância o levará,
inexoravelmente, ao desatino.
O arrogante, o que pensa que sabe tudo, o que se julga dono da
verdade, o vaidoso ao extremo, o irritadiço, o descortês, o
excessivamente sensível, o narcisista, enfim, pode ser qualquer
coisa, mas não está preparado para o exercício do poder, máxime
se o naco de poder que tem lhe autoriza julgar o semelhante.
O exercício da judicatura, por exemplo, deve ser concomitante com
o exercício da humildade. E ser humilde, tratar bem os
jurisdicionados, receber a todos com presteza, ter paciência de
ouvir um colega, compreender que num colegiado deve haver
discordância, não arrefece a autoridade de ninguém. Muito ao
contrário. Quem exerce o poder sem prepotência, se eleva, se
fortalece como pessoa e como julgador.
Para julgar o semelhante, para conviver com os congêneres, tem
que se despir da vaidade. Tem que praticar a sensatez. Tem que ser
humilde, sem que isso signifique tibieza, frouxidão, subserviência,
submissão, falta de autoridade, pois a única autoridade que nos dá
sustentação, que nos empresta realce, que nos diferencia dos
demais, é a autoridade moral.
O homem não é frouxo porque é humilde. O que nos torna menores
do que somos, o que nos enfraquece diante do nosso semelhante, o que
nos diminui diante do jurisdicionado, é a arrogância e não a
humildade.
O homem prepotente – e excessivamente vaidoso – nunca será
respeitado pelos méritos que eventualmente tenha. Ele pode até ser
temido, pois nunca se sabe o que um prepotente, com a toga sobre os
ombros, é capaz de fazer. Respeitado, porém, ele não será.
Jamais! Repito: jamais!
JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA é desembargador do
Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi Juiz de Direito da 7ª
Vara Criminal e Promotor de Justiça. Também lecionou na Universidade
Federal do Maranhão e na Escola da Magistratura do mesmo estado, tendo
optado, há alguns anos, pela dedicação exclusiva ao Poder Judiciário.
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