1 de junho de 2011

Brincadeira de Bolinha de Gude


gabiconsalter.blogspot.com

Ao observar o desenho que acompanha esta breve história, fiz uma saudável viagem no tempo. Voltei à minha adolescência, início da década de 70, quando morava na Getúlio Vargas com meus pais e avós, quase na esquina com a Rua Ramos Ferreira, em Manaus. Bem ao lado da casa onde morávamos havia uma vila de casas, chamada Vila Mimi, que aliás continua existindo até os dias de hoje. Logo ao lado dessa Vila havia um terreno abandonado, hoje usado como estacionamento. Em frente a esse terreno não existia calçada. Era um barranco irregular, onde todos os dias um grupo de colegas da rua se reunia para brincar de bolinha de gude.

A partir das 4 horas da tarde a molecada começava a chegar. Os irmãos Geraldo e Zezinho, Cica e Jara, Lapão e Lapinha, Zeca e Beto, Arthuzinho, Fernando Piu Piu e outros. Cada um tinha a sua maneira de carregar suas bolinhas de vidro. Uns traziam as bolinhas nos bolsos do calção ou da bermuda; outros traziam numa meia de sapato e eu levava as minhas dentro de uma lata de leite ninho pequena. Separava para o jogo sempre aquelas mais usadas e batidas. Cheguei a ter mais de mil bolinhas, porém, mais da metade delas, acredite, ganha no jogo. Modéstia a parte, minha canhotinha era certeira e infalível.

Na brincadeira de bolinhas que fazíamos todas as tardes havia algumas regras básicas. A ponteira tinha que ser uma bolinha normal. Não era permitido o uso de ponteira de aço. Tinha que ser de vidro e do mesmo tamanho das outras bolinhas. Outra exigência é que desde a primeira partida, no circulo riscada no barro do chão, cada jogador tinha que depositar (casar) 10 bolinhas. A cada nova partida, essa quantidade iaumentava 5 bolinhas. Da brincadeira participavam até 4 jogadores. O ideal era no máximo 3 jogadores. Aquele que no final da partida recuperava o menor número de petecas/bolinhas casadas no circulo, dava a sua vez para outro na espera. E assim íamos até escurecer ou até chegar a hora do tradicional ABAFA, que acontecia exatamente às 6 horas da tarde, ao som da primeira badalada do sino da Igreja de São Sebastião anunciando o final da tarde.

E o que era esse tal ABAFA? Bem, o abafa era o momento onde quem estava jogando, ao som da primeira badalada do sino de São Sebastião anunciando 6 horas da tarde, tratava de correr para pegar como podia as bolinhas que ainda restavam no círculo riscado no chão. Detalhe: só podiam abafar aqueles que estavam participando da partida. Os outros só assistiam. Era a chamada hora do pega-prá-capar. Quem ainda não havia conseguido recuperar pelo menos a quantidade de bolinhas casadas no círculo no início da brincadeira, tinha que ficar esperto e se atirar para abafar as bolinhas que restavam, como quem faminto se atira para cima de um prato de comida.

Dos ABAFAS que participei, um me marcou para sempre. Em resumo – fui traído e me dei muito mal.

Nesse dia da traição eu saí de casa sem a minha inseparável lata de leite onde guardava as minhas bolinhas. A intenção naquele  dia era só assistir a brincadeira. Estava com a clavícula direita quebrada e o braço direito enfaixado junto a corpo. Apesar de ser canhoto, ainda assim não me sentia confortável para brincar de bolinha. Além disso, na hora do ABAFA, caso estivesse jogando, ficaria em total desvantagem. Mas, quando cheguei ao barranco sem as minhas bolinhas, os colegas da rua insistiram para que eu fosse buscá-las para brincar. Para me convencerem, prometeram que naquele dia não aconteceria o tradicional ABAFA. Eu, num desses momentos de leseira baré, acabei caindo na conversa dos colegas da rua. Foi só o sino da Igreja de São Sebastião dar a sua primeira badalada e os colegas que estavam brincando comigo trataram de partir para o abafa.

Não bastasse ter perdido as minhas bolinhas pelo abafa, peguei corda de Fernando Piu Piu e resolvi partir para a briga com um daqueles que havia feito o abafa. Imaginem! Resolvi enfrentar o Arthurzinho com um braço só. Resultado: levei um tubo no olho e voltei para casa com menos bolinhas e ainda um olho roxo. Questionado pelo meu pai, inventei que tinha batido o olho jogando bola. A infeliz mentira me custou um castigo de 15 dias sem poder sair de casa. A vingança veio mais tarde, mas, aí é outra história que eu prometo contar numa próxima oportunidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário