1 de fevereiro de 2007

Pronto Socorro 28 de Agosto


No último dia 25 de janeiro, por volta das 15 ou 16 horas, recebi uma chamada em meu celular. Ao verificar quem estava ligando, logo tive a impressão de que boa coisa não seria. Do outro lado, meu sobrinho, Rogério Aguiar, tentava falar comigo e eu tinha quase certeza de que não era para dar boas notícias. Ele e meu filho, Luiz Frederico, haviam me dito que iam para uma manifestação estudantil contra o aumento da passagem e discutir com a equipe da prefeitura os detalhes da planilha de custo que serviu de espelho para a nova tarifa definida pela prefeitura de Manaus.
Eu não estava enganado! Meu sobrinho ligava para dizer que estava acompanhando meu filho numa ambulância, rumo ao 28 de Agosto, pois ele e outros estudantes haviam sido agredidos com cassetete na porta da Prefeitura. Haviam sido simplesmente enganados. Foram traídos! Tinham conseguido agendar uma audiência com o vice-prefeito para debater a nova tarifa de transporte coletivo, mas chegando no portão da prefeitura estavam sendo esperados pela polícia de choque, armada de cassetete, como se estivessem aguardando bandidos para um confronto. Mas o motivo desse comentário é outro bem diferente.
Quando meu sobrinho disse que meu filho estava sendo transportado numa ambulância, é obvio que a minha preocupação aumentou. Mas ao saber que ele estava indo para o 28 de Agosto, confesso que a preocupação não diminuiu, mas tive a certeza de que meu filho estava sendo levado para o lugar certo. Ele próprio já havia sido atendido lá em outras oportunidades.
É importante destacar que no atendimento de primeiros socorros do 28 de Agosto, você não precisa primeiro apresentar a carteirinha para provar que está adimplente com o seu plano de saúde e não existe tratamento diferenciado entre ricos e pobres, plano A, B ou C, carências, etc. Nem bandido é discriminado. Pelo contrário! Furam a fila e muitos são salvos lá dentro mesmo da emergência, enquanto lá fora muita gente torce para que não sobrevivam, pois assim não voltam às ruas para cometer outros crimes.
Ao chegar na portaria do 28 de Agosto encontrei alguns familiares nervosos, pois tinham dificuldades de informações e de fazer contato com o meu filho, que já estava na sala de emergência sendo atendido. O médico que o atendeu estava de saída, mas cordialmente me recebeu, foi comigo até onde estava meu filho, explicou o que tinha acontecido e disse-me que ele precisaria ficar internado e em observação. Atendendo a orientação médica, de lá só saímos no dia seguinte depois das 6 horas da tarde. Meu filho foi transferido para a enfermaria e eu fiquei 24 horas acordado, a maior parte do tempo do lado de fora da enfermaria, conversando e acompanhando o dia a dia daquelas pessoas que fazem do 28 de Agosto uma referência. E é disso que eu quero falar.
Na enfermaria vi a luta de pessoas humildes em busca de tratamento para suas doenças. De um lado da cama de meu filho, uma mãe acompanhava o seu filho, cujo problema de circulação havia lhe obrigado a perder as pontas dos dedos do pé de uma das pernas. Estavam ali em busca de exames que levassem a um diagnóstico do que precisaria ser feito pelos médicos. Enfrentavam dificuldades, pois não podem recorrer a outros meios para o tratamento, mas em nenhum momento eu vi naquela mãe sinal de desânimo ou desesperança. Conversamos sobre coisas alegres, sobre a sua terra natal, o Paraná, e, ao deixarmos a enfermaria, nos presenteou com o seu sorriso e desejo de boa sorte.
Do outro lado da cama de meu filho estava um senhor vindo de Eirunepé. Estava acompanhado de seu filho. Um rapaz ainda jovem. Em dado momento aquele rapaz simples se aproximou de mim e perguntou o que tinha acontecido com o meu filho. Estávamos ali em situação inversa. Eu assistia o meu filho e ele assistia o seu pai. A cada instante ele acariciava e massageava o pai, ajeitava o lençol que lhe cobria o corpo e fazia perguntas. Em algumas ocasiões seu pai passou mal, devido problemas de entupimento de veias e uma ou duas vezes teve que ser levado para a sala de emergência. O filho, do lado de fora, não conseguia segurar a dor de ver o pai sofrendo e, sozinho, escorado na parede, soluçava timidamente e enxugava as lágrimas. Confesso que tenho um filho maravilhoso, mas senti inveja daquele pai naquele momento, pela demonstração de dedicação e amor de seu filho. Eles me falaram de Eirunepé e eu falei da amizade que eu tenho de infância com o prefeito da cidade deles. Eu e Disica nos conhecemos desde a nossa juventude e na minha casa brincávamos quase que todos os dias de ping-pong, numa mesa gigante feita de chapas de compensado que meu pai pedia para o carpinteiro da antiga fábrica Compensa confeccionar.
Quando o cansaço queria me derrubar, eu ia para o corredor caminhar e acompanhar os acontecimentos. A madrugada de quinta-feira para sexta-feira, segundo os seguranças, serventes e maqueiros que estavam ali de plantão, era de tranqüilidade. Em dado momento houve o atendimento de um cidadão que chegou alcoolizado e que fez a alegria dos que estavam ali naquele momento. Havia, salvo engano, machucado um dos dedos do pé. Falava muito da rua onde mora, Belo Horizonte, não muito distante dali, e lamentava a falta de segurança, relembrando os tempos de Estênio Neves e Klinger Costa, segundo ele, tempos em que bandido não tinha moleza. Muito alegre e espirituoso, falou até cansar, deu palpites em tudo que ouvia, brincou, nos fez rir muito e depois foi embora. Pareceu-me que ele já era um freguês do atendimento nas madrugadas.
De mais grave naquela madrugada só um rapaz que deu entrada com uma bala cravada nas nádegas. Estava acompanhado de uma jovem. Foi atendido e depois liberado, saindo do pronto socorro vestido com uma fralda. Os motivos que levaram àquele atendimento e que não preciso comentá-los aqui, é que nos entristece. Eram duas pessoas jovens, de no máximo 20 anos, que vivem diariamente os riscos e as mazelas da vida noturna e das madrugadas em determinados pontos da cidade de Manaus. Creio que tenha levado um tiro por pura maldade do seu agressor. Desta vez o tiro foi nas nádegas e ele saiu vestido numa fralda, junto com a colega que ria e brincava como se aquela ocorrência fosse uma coisa banal. A probabilidade desse jovem voltar ao 28 de Agosto noutra madrugada é real, só não sabemos dizer se o próximo tiro que levar vai ser no mesmo local ou se será fatal.
As horas foram se passando e o dia amanheceu.
O segurança, percebendo que eu estava muito cansado, olhou para mim disse:
- Aqui do lado tem um lanche. Vá lá e tome um café para se reanimar.
Aceitei a idéia e fui até lá. De cara vejo os jornais do dia e, na primeira página de Amazonas em Tempo, uma manchete sobre o confronto entre os estudantes e a polícia de choque. Abro o jornal e mais duas surpresas. A foto de meu filho sendo socorrido no chão e no texto da matéria a acusação de que teria sido ele quem deu início ao confronto. Mas não é disso que estou falando neste artigo.
A adrenalina subiu com as notícias do jornal, fiz um lanche rápido, voltei para a enfermaria e comecei a ver a coisa pegar fogo no pronto socorro. Atendimento um atrás do outro, inclusive bandidos espancados, baleados, atropelados, etc. Pessoas tendo que esperar o atendimento, pois os médicos estavam mobilizados dentro da sala de emergência para salvar a vida de bandidos que, naquele dia pelo menos, estavam chegando quase todos bastante machucados e precisando de socorro urgente, urgentíssimo.
Na espera por atendimento, algumas pessoas angustiadas pela demora se atreviam a dizer que o melhor mesmo seria deixar os bandidos morrerem e cuidar das pessoas de bem que estavam na fila. Apesar dos duros comentários, senti que não eram manifestações de indignação ou revolta pelo fato de ter que esperar pelo atendimento até que os bandidos, em situação de risco de morte, fossem socorridos. Todos pareciam compreender e admirar o comportamento dos médicos. Eles estão ali para cuidar de vidas e salvar vidas, sem discriminações de qualquer natureza.
Em determinado momento do dia, senti a tensão crescer e aumentar aquele corre-corre de um lado para o outro no corredor do pronto socorro. Como simples observador, percebi que era um corre-corre organizado, cada um cuidando de fazer o melhor de sua parte. Os maqueiros agiam rápidos, levando e trazendo os pacientes, ora em macas, outras vezes em cadeira de rodas; as serventes atentas e sem se descuidar de manter o chão limpo da poeira e do sangue que se espalha no chão feito água; os seguranças cuidando para impedir aglomerações de pessoas desautorizadas naqueles espaços estreitos de circulação; as enfermeiras cumprindo os atendimentos da emergência e das enfermarias com muito zelo, ouvindo e conversando com os pacientes. De esquisito apenas a presença de policiais, sem dar sossego algum para os bandidos. A cada chance, estavam eles grudados no pé da maca e enchendo o bandido de perguntas: Como é teu nome? Quem é teu comparsa? Onde é que tu moras?
Na sexta-feira pela manhã meu filho Luiz Frederico recebeu a visita da Dra. Joy. Conversou com ele, examinou e disse que voltaria depois para conferir o exame de ultra-sonografia e lhe dar alta. A Dra. Joy não me parecia estranha e logo lembrei que, há alguns anos passados (não insista para saber quantos), freqüentei a sua casa no bairro de Adrianópolis, onde, contratado por seu pai Moisés Israel, eu ia ministrar aulas de matemática e física para seus irmãos que se preparavam para enfrentar o vestibular. Lembro bem – os dois foram aprovados. Despertou-me atenção a simplicidade e a competência da Dra. Joy, muito carismática e sempre com um sorriso para oferecer às pessoas. No início da noite de sexta-feira ela voltou a examinar Luiz Frederico, lhe receitou uma medicação e recomendou repouso absoluto por alguns dias.
Na hora de deixar o pronto socorro, lembrei das palavras do Dr. André, assim que lá cheguei e ele gentilmente me permitiu a entrada na emergência para ver como estava Luiz Frederico. Depois de dar o seu diagnóstico e de me tranqüilizar, disse-me com um sorriso: fique tranqüilo, aqui é o melhor hospital de Manaus para atender o seu filho.
Eu entrei naquele hospital estressado, nervoso e querendo bater no mundo. 24 horas depois, sem dormir, cansado, saí de lá com o coração leve, meu filho bem e muito grato pelas lições recebidas, apenas ouvindo e observando as coisas acontecerem. O 28 de Agosto pode não ser o melhor hospital em termos de infra-estrutura e algumas outras coisas mais. Precisa melhorar com certeza. Porém, podemos nos orgulhar de que o 28 de Agosto tem o melhor quadro de profissionais, de homens e mulheres, do mais graduado (médicos, enfermeiros, laboratoristas) ao mais simples colaborador (maqueiros, serventes, seguranças e outros), que se dedicam com afinco para salvar vidas, curar doenças e amenizar as dores e o sofrimento de pessoas simples que por ali passam todos os dias.
Por meio do Dr. André e da Dra. Joy, encerro este simples depoimento, externando a todos do 28 de Agosto, indistintamente, o meu reconhecimento e a minha eterna gratidão.
Fiquem com Deus!...





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