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Quem nunca contou uma mentira que
deu o que falar na própria família?
Pois é! Eu vou contar qual foi a minha
mentira...
Na minha casa, nos anos 60 e 70,
futebol era o tema que mobilizava toda a família. Tinha torcedor do Nacional,
Rio Negro, Fast, São Raimundo e Olímpico. A quantidade de gente torcendo pelo
Nacional era maior e contava com a liderança de vovó Graziela. Até a pintura da nossa casa,
imaginem, era nas cores azul e branco. E se não bastasse, ainda tinha
um escudo grande do Nacional pregado num isopor e colocado de frente para a
rua.
Para mexer com a vovó Graziela na hora
do almoço, provocávamos vovó Manoel sobre o fato de termos a nossa casa pintada só nas
cores azul e branco. Vovô entendia a brincadeira e respondia que o azul não era
do Nacional e sim do Olímpico, seu clube do coração. Era o suficiente para vovó
soltar os cachorros e mandar todo mundo calar a boca, pois na mesa de refeições não
era lugar de falar de futebol.
Além de vovó Graziela, existiam
ainda mais duas apaixonadas pelo tal Nacional. Minha irmã Diana e a Dedé, uma
senhora que morava conosco, tomava conta da cozinha e era a nossa segunda mãe. Era
ela quem nos levava ao campo de futebol. Os homens até podiam ir sozinhos ao estádio
nos dias de jogos, mas para a Diana ir, a presença de Dedé era ordem. Agora,
imaginem o que era ir a campo com Dedé e Diana, ambas nacionalinas doentes. Elas
determinavam onde sentar no estádio, ou seja, sempre do lado da galera do
Nacional. Eu e Luiz Humberto, filho da Dedé, torcíamos por outros times e
éramos obrigados a sentar junto delas. Eu, fastiano, e Luiz Humberto,
rionegrino.
Dedé, a nossa querida e
inesquecível segunda mãe, tinha um rádio portátil que era o seu parceiro inseparável.
Aonde ela ia o rádio ia junto. Enquanto cozinhava, o rádio estava ligado para
ouvir as novelas da época e todas as resenhas que falavam de futebol e do
Nacional, obviamente. Dedé tinha duas paixões no time de futebol do Nacional: o
goleiro Marialvo e o ponta esquerda Pepeta.
Sabendo das paixões de Dedé, um
belo dia, voltando da aula, fiquei matutando sobre alguma coisa para mexer com ela.
Só não imaginava no que essa brincadeira ia dar. Entrei em casa e fui direto
para a cozinha. Cheguei junto de Dedé e disse:
- Dedé, tá sabendo o que
aconteceu com o Marialvo?
Não! – respondeu a Dedé sem me
dar muita confiança. Então, resolvi apelar...
- Dedé, Marialvo morreu
atropelado.
Quem foi que ti disse isso menino?
–
perguntou a Dedé, agora mais atenta e assustada com a minha notícia sobre um dos seus ídolos. Acabei de ouvir a resenha aqui no rádio e ninguém
falou nada disso.
Mas aconteceu agora Dedé –
insisti com a mentira trágica. Eu fiquei sabendo por que passei em frente ao
Pronto Socorro ao lado do Hospital da Santa Casa. Ele está lá e tem um monte de
gente do lado de fora. Completei a mentira e me arranquei da cozinha. Tinha que
tomar banho para voltar e sentar à mesa do almoço com vovó Manoel e toda a
família.
Quando volto do banho, feliz com a mentira pregada para cima de Dedé, a confusão
estava instalada na cozinha. Vovó é quem dava as ordens. Dedé, coitada, sentada
numa cadeira tremia e chorava ao mesmo tempo. Eram as consequências da mentira
que eu havia inventado. Matei o Marialvo de mentirinha, mas pelo jeito quem ia
morrer mesmo de verdade era a Dedé, e de tristeza.
O remorso bateu forte e eu
desembuchei no ato:
- Dedé, chora mais não. Foi brincadeira minha.
Marialvo não foi atropelado e também não morreu. Eu inventei essa história para
brincar com a senhora.
Quando acabei de esclarecer a
mentira, só senti aqueles dedos vigorosos segurando a minha orelha de abano como se
fosse um alicate. Era a vovó Graziela me puxando pela orelha e me passando um
tremendo sermão. Para minha sorte, Dedé
se recuperou emocionalmente e a tempo de não deixar o almoço atrasar.
Durante todo o almoço daquele dia
a conversa na mesa girou em torno da mentira e do susto que eu apliquei em Dedé, a nossa segunda mãe. Vovô também não aprovou a brincadeira e me fez prometer que não ia mais matar ninguém do time do Nacional. Em resumo, sentei à mesa como acusado e sai dela literalmente condenado. Sentença: fiquei de castigo por vários dias sem poder sair no portão para brincar. Armei
e me dei mal!
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